Um novo arquipélago português

A um custo inferior ao de operar um navio, podemos ter no oceano uma presença permanente de cientistas, militares, sensores, drones, sistemas de observação do espaço e todo o tipo de equipamentos.

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Durante décadas não se pôde desenvolver em Portugal a energia eólica offshore por não haver tecnologia adequada às águas profundas da nossa costa. A Dinamarca, cujo mar é menos profundo, instalou os primeiros parques eólicos marítimos há mais de 30 anos.

Também a aquacultura offshore não teve desenvolvimento significativo no nosso país devido às severas condições do mar da nossa costa. Na Noruega, onde a costa é recortada por fiordes, desenvolveu-se uma fortíssima indústria de aquacultura de salmão que exporta mais de um milhão de toneladas por ano. A aquacultura em Portugal, em terra e no mar, incluindo a produção de algas, bivalves e diversas espécies de peixes, ronda as 20 mil toneladas anuais, e o seu crescimento em terra está fortemente condicionado por constrangimentos ambientais e de ordenamento do território.

Do ponto de vista tecnológico, Portugal teve projetos pioneiros nas energias renováveis oceânicas, como a central de energia das ondas da ilha do Pico e o projeto de energia eólica flutuante Windfloat na Póvoa de Varzim. Na aquacultura offshore, surgiram projetos no Algarve, na Madeira e nos Açores.

A atual maturidade tecnológica das plataformas flutuantes para aproveitamento de energias renováveis ou produção em aquacultura já permite a realização deste potencial económico do mar português numa dimensão nunca vista até hoje.

Estas tecnologias, de impacto ambiental relativamente reduzido, permitem compatibilizar atividades económicas de elevado valor acrescentado com a conservação dos ecossistemas marinhos. Se bem concebidas, tais infraestruturas podem mesmo ajudar ao restauro da natureza marinha. Por outro lado, o ordenamento das atividades no espaço marítimo ganha flexibilidade, sendo mais fácil a coexistência de diferentes usos do mesmo espaço marítimo, como a produção de energia e de alimento, o que maximiza a riqueza e o emprego que cada espaço pode gerar.

É evidente que as transições tecnológicas não são só provocadas por fatores económicos. Estamos perante um contexto geopolítico que recomenda o reforço da segurança energética e alimentar, perante alterações climáticas graves que impõem a descarbonização, e perante uma crise de biodiversidade que impõe a conservação e o restauro da natureza.

A meta de 2 GW de energia eólica oceânica prevista no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 implica, numa primeira fase, a instalação de mais de 100 plataformas flutuantes com turbinas eólicas em mar aberto. A estas plataformas vão juntar-se outras, de maiores dimensões, para aquacultura. No seu conjunto, estas pequenas ilhas artificiais constituirão um novo “arquipélago” disperso pela costa de Portugal continental. A maioria delas não será habitada, mas algumas poderão ter até 20 residentes, como é o caso da plataforma de aquacultura Coralis, que se pretende instalar a 15 quilómetros ao largo de Vila Real de Santo António.

A um custo inferior ao de operar um navio, podemos passar a ter no oceano uma presença permanente de cientistas, militares, sensores, drones, sistemas de observação do espaço, data centres e todo o tipo de equipamentos. Para além do desenvolvimento da economia do mar em vários dos seus pilares, este novo arquipélago português pode catalisar extraordinárias sinergias com a ciência, a tecnologia, a proteção e monitorização ambientais, a vigilância e segurança marítimas, e a defesa nacional.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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