Falta de respeito pela natureza leva a catástrofes ambientais

É possível alcançar uma harmonia no que respeita à construção dentro de áreas protegidas, embora para tal seja necessário definir na lei limites mais vinculativos e sem exceções nas entrelinhas.

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Quando falamos de erosão costeira, esquecemo-nos frequentemente de que a não proteção e manutenção dos espaços florestais e não florestais, dos espaços da Rede Natura, por exemplo, pode gerar catástrofes. Pode ler-se num artigo de Carlos Antunes, publicado no jornal Le Monde Diplomatique, que, “da energia solar retida no planeta que causa o aquecimento global, a maior parte, cerca de 84%, vai diretamente para os oceanos e apenas 4% aquece a atmosfera. Essa grande quantidade de energia absorvida pelos oceanos é responsável pela expansão térmica, tendo causado uma subida de 14 centímetros do nível médio do mar no último século, e será responsável por o nível médio do mar continuar a subir até aos próximos milénios.” Uma realidade, sem dúvida, alarmante.

Atualmente, a temperatura global está a cerca de 1,2ºC acima dos registos nos tempos pré-industriais, o que tem conduzido a cenários de calor extremo. Estes extremos de calor que, de forma natural, ocorreriam a cada dez anos, são quatro vezes mais agravados com a influência humana, o que quer dizer que as temperaturas só deixarão de subir se a humanidade deixar de adicionar gases com efeito de estufa à atmosfera. O Acordo de Paris, que visa a redução das emissões com rapidez suficiente para não se atingir o colapso, lembra que caso atinjamos os 2ºC, as ondas de calor passarão a ocorrer quase seis vezes mais.

Em Portugal, apesar de todas as diretivas e alertas para a erosão costeira e para os perigos a ela associados, continua a ver a sua costa destruída, muitas vezes, com a desculpa de que se desenvolve turismo sustentável... O que é quase criminoso. Vejamos um exemplo no Algarve: o complexo Verde Lago, que está ainda em fase de construção, situado totalmente sobre Rede Natura 2000, a menos de 500 metros do mar, e que pretende ali colocar mais de 10 mil camas junto à praia. São cerca de 90 hectares, onde mais de 10 mil utilizadores irão gerar ruído, para onde, provavelmente, irão de carro. Serão gerados impactes negativos desastrosos sobre as dunas e sobre os ecossistemas e a biodiversidade. Sem falar nos impactes que estão a ser gerados de forma absurda durante a execução da obra, para a manutenção e o funcionamento das estruturas de construção.

Sabemos também que a vulnerabilidade das nossas zonas costeiras está a aumentar devido à erosão e que se estão a reduzir os limites entre a terra e o mar, onde aumentam de dia para dia as ameaças permanentes de alagamento devido à subida do nível do mar, chuvas intensas, inundações de maré alta e tempestades severas. Embora haja incerteza sobre onde, quando e quanto o nível do mar irá subir, os cientistas alertam para impactos negativos nas comunidades costeiras, se continuarmos no mesmo ritmo.

Outras ameaças climáticas originadas por estas intervenções sem critério, além da subida de temperatura, são a acidificação dos oceanos, a proliferação de algas nocivas e a intrusão de água salgada. O calor escaldante já faz parte de um padrão global de aumento das temperaturas, atribuído pelos cientistas à atividade humana. As alterações climáticas aumentam as condições quentes e secas que ajudam a que os incêndios se espalhem mais rapidamente, ardam mais tempo e se enfureçam mais intensamente. As condições mais quentes e secas tornam o fogo ainda mais severo.

É possível alcançar uma harmonia no que respeita à construção dentro de áreas protegidas, embora para tal seja necessário definir na lei limites mais vinculativos e sem exceções nas entrelinhas. A comunidade científica concorda que, sem cortes acentuados dos gases com efeito de estufa, que explicam as alterações climáticas, as ondas de calor, incêndios, inundações e secas, irão piorar significativamente.

É necessário gerir de forma sustentável e proteger os ecossistemas marinhos e costeiros para evitar impactos adversos significativos, inclusive através do reforço da sua capacidade de resiliência, e tomar medidas para a sua restauração, a fim de assegurar oceanos saudáveis e produtivos. Está previsto no objetivo nº14 da Agenda 2030 definida pela ONU, constituída por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e que é obrigação de Portugal e de todos os países do mundo cumpri-la.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Texto actualizado dia 24/9/24 às 19h15: foi acrescentada a autoria da citação do artigo do Le Monde Diplomatique