Incêndios: balanço deve contabilizar danos ambientais e contaminações

Consultor ambiental alerta para gravidade de eventuais contaminações dos solos e das águas provocadas pelos incêndios e lembra que legislação portuguesa prevê a responsabilização por esses danos.

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Incêndio florestal em Águeda, distrito de Aveiro, a 18 de Setembro Nelson Garrido
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O consultor ambiental Carlos Costa considerou esta sexta-feira que, na sequência dos incêndios do Centro e Norte do país, as autoridades devem contabilizar prejuízos para o ambiente, incluindo contaminações de solos e águas, e não só danos no edificado e infra-estruturas.

"Muitas vezes o que se inventaria são danos nas infra-estruturas ou nas estruturas dos edifícios, mas esquecem-se os danos ambientais que foram produzidos na contaminação do solo e das águas", afirmou à Lusa o especialista associado da Associação das Empresas Portuguesas do Sector do Ambiente (AEPSA).

De acordo com Carlos Costa, existem zonas industriais mais antigas ou sem tecido empresarial muito qualificado que "podem ter um menor controlo" na gestão dos resíduos, mas também existem "zonas industriais que foram planeadas, que tiveram o seu plano de pormenor inserido dentro do plano director municipal, ou de outros instrumentos de gestão territorial, e que estão bem equipadas".

"É uma situação muito variada no tecido urbano e periurbano nacional" e muito em particular "na zona Centro e Norte do país, mais litoral", disse.

Por isso, defendeu, na "inventariação dos danos produzidos pelos incêndios nessas zonas com instalações que possam ter provocado contaminações", não se devia apenas "olhar para os edifícios ou infra-estruturas que foram consumidas, mas também para o meio ambiente afectado".

"É importante verificar a existência de derrames importantes de hidrocarbonetos, portanto, de combustíveis, se foram queimados bens que potencialmente contêm substâncias perigosas" e se houve "trajectos ou vias de exposição à contaminação dos diversos meios", salientou.

O antigo professor da Universidade Nova de Lisboa, que coordenou as áreas de geologia e ambiente, explicou que na legislação portuguesa está prevista a responsabilização ambiental, por afectação do solo, águas e ecossistemas, que leva "à necessidade de reparação desses meios", através da identificação do responsável pelos prejuízos, como serão recuperados ou contrapartidas "para que esses danos sejam de alguma forma ressarcidos em nome do ambiente".

"É um trabalho que tem de ser feito quer pelas entidades municipais, quer pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional [CCDR], neste caso do Centro e do Norte do país", salientou.

No entanto, o também fundador da Egiamb, empresa especializada em projectos de descontaminação, tem dúvidas de que, nestas alturas, se vá além da "contabilização das perdas directas", particulares ou até públicas, não avaliando "as perdas para o ambiente", nomeadamente dos danos "produzidos nos solos, que porventura tenham sido afectados por derrames, por infiltrações de contaminantes" e da sua "transmissão para as águas".

Este é, aliás, "um problema bastante grave" na medida em que, muitas vezes, existem poços até "de baixa profundidade, que facilmente ficam contaminados, ou captações" camarárias "que podem ser afectadas na sua qualidade para consumo humano", frisou.

Carlos Costa enunciou o "exemplo teórico" da empresa com a sua estação de tratamento de águas industriais afectada pela ruptura das condutas pelo fogo, levando à dispersão dos resíduos para uma linha de água e para os solos e terrenos agrícolas adjacentes, antes de se infiltrar nos aquíferos.

"Isto é um problema grave, e a questão que se põe é: quem é o causador desta situação? É o industrial, que porventura até poderia ter a estação a funcionar como deve ser? É aquele que provocou o incêndio? É muito difícil aqui agora dirimir responsabilidades", admitiu.

Nesse sentido, Carlos Costa defendeu que, se o Estado tem falta de quadros para resolver o problema, pode recorrer ao sector privado para essa inventariação, tanto mais que o primeiro-ministro disse "que não haveria falta de dinheiro para resolver as questões que resultaram" destes incêndios e existirão fundos europeus que podem "ser mobilizados para tragédias deste tipo".

Para o associado da AEPSA, embora não querendo analisar a fundo a questão dos danos em meio florestal, também será importante avaliar o arrastamento da matéria orgânica nas encostas devido aos fenómenos de erosão, e às chuvas, bem como das cinzas transportadas para as linhas de água e depois para rios e albufeiras. "Tudo isto vai trazer um impacto muito importante na qualidade das águas e dos solos que vão ser atravessados por estes materiais."

A área ardida em Portugal continental desde o último domingo ultrapassa os 124 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro já arderam mais de 116 mil hectares, 93% da área ardida em todo o território nacional.