CO2 é o factor que determina a temperatura global nos últimos 485 milhões de anos

A temperatura média da Terra à superfície situa-se nos 15 graus Celsius, mas nos últimos 485 milhões de anos já atingiu os 36 graus, mostra novo estudo que contextualiza o actual aquecimento global.

Foto
As espécies que vivem actualmente na Terra estão adaptadas a um clima frio NASA
Ouça este artigo
00:00
05:55

Nos últimos 539 milhões de anos a Terra viu as plantas tomarem conta dos continentes, os animais evoluírem em anfíbios, répteis e mamíferos, momentos de enormes extinções de espécies e lentos rejuvenescimentos da vida. Enquanto isso, o clima do planeta foi variando. Agora, uma equipa usou um novo método para obter uma curva da temperatura da Terra, que mostra que a temperatura do planeta variou mais do que se previa, e confirma que há uma forte relação entre a temperatura e a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, de acordo com um artigo publicado nesta quinta-feira na Science.

Estes resultados ajudam os cientistas a colocarem o actual aquecimento do planeta, causado pelas emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa, como o CO2 e o metano, num contexto geológico mais alargado.

“Se estudarmos os últimos dois milhões de anos, não se encontra nada daquilo que se pode esperar para o que vai acontecer em 2100 ou 2500”, conta Scott Wing, um dos autores do estudo, que pertence ao Departamento de Paleobiologia do Museu Nacional de História Natural (MNHN) do Smithsonian, em Washington, nos Estados Unidos (EUA). “É necessário ir mais atrás no passado para períodos onde a Terra era realmente quente, porque essa é a única forma de obter uma melhor compreensão de como o clima poderá modificar o futuro”, adianta, citado num comunicado do Smithsonian.

Há cerca de 539 milhões de anos iniciou-se o éon Fanerozóico, segundo a escala de tempo geológica, onde o éon é a maior unidade de tempo, composto por eras, que por sua vez são compostas por períodos. A partir daquela data, os animais e plantas existentes na Terra proliferaram, evoluíram para muitas formas distintas e conseguiram colonizar uma série de nichos ecológicos, que continuam a existir até hoje.

Embora tenha havido grandes mudanças climáticas, um ininterrupto movimento das placas tectónicas, extinções em massa e mudanças radicais nas espécies que compõem e dominam a biodiversidade do planeta, continuamos até hoje no Fanerozóico. Mas as estimativas da temperatura média global à superfície, mais precisas e baseadas num maior número de dados geológicos nos últimos milhões de anos, são cada vez menos confiáveis à medida que se vai andando para trás até ao início do Fanerozóico.

Retrospectiva climática

Desde 2018, Scott Wing e o seu colega Brian Huber, estavam a preparar uma nova ala do museu do Smithsonian com uma viagem ao passado feita através de fósseis, mas queriam que estivesse contextualizada com uma curva da evolução da temperatura da Terra. No entanto, perceberam que faltava uma curva suficientemente confiável. Esse vazio esteve na origem da nova investigação.

Para obterem a curva, a equipa usou uma técnica chamada “assimilação de dados”, em que integraram centenas de dados paleontológicos com a modelação do clima antigo do planeta. “Este método foi desenvolvido originalmente para a previsão do tempo”, explica Emily Judd, a primeira autora do artigo, que fez o pós-doutoramento no MNHN e também pertence à Universidade do Arizona, nos EUA. “Em vez de usarmos o método para prever a meteorologia futura, usámos para fazer uma retrospectiva de climas antigos.”

Os dados paleontológicos forneceram a informação da temperatura dos oceanos em diferentes geografias e momentos geológicos passados, obtida a partir de conchas fossilizadas de antigos organismos marinhos. Ao mesmo tempo, a equipa usou mais de 850 modelos de simulações do clima passado da Terra. Por fim, usaram estes dois bolos de informação para “criar a mais correcta curva de como a temperatura da Terra variou nos últimos 485 milhões de anos”, de acordo com o comunicado.

Os resultados mostraram que, ao longo daquele período, a temperatura média da Terra variou entre os 11 e os 36 graus Celsius. Os cientistas calculam ainda que em 41% dos 485 milhões de anos analisados, a Terra teve um clima quente ou muito quente, em 31% teve um clima frio ou muito frio e em 27% teve um clima de transição. “Ao todo, a Terra passou mais tempo num clima mais quente do que num clima mais frio”, lê-se no sumário do artigo da Science. Tendo em conta que a temperatura global está perto dos 15 graus Celsius, o clima actual da Terra situa-se bastante mais perto do extremo frio num contexto geológico.

Adaptados ao calor?

A equipa também conseguiu mostrar a variação das temperaturas entre os pólos e o equador ao longo do tempo. “Juntar o modelo e a informação geológica permitiu aos autores terem em conta a variação regional nas temperaturas previstas”, explica Benjamin Mills, bioquímico que estuda a evolução geológica da Terra a nível ambiental, professor na Universidade de Leeds, no Reino Unido, que não é um dos autores do estudo, mas escreve um artigo de análise sobre a nova investigação, publicada na mesma edição da Science. “Por exemplo, uma amostra da região polar foi comparada com as previsões do modelo climático para a mesma região. Isto produz uma estimativa mais exacta da temperatura média da Terra ao longo do tempo.”

Embora as temperaturas nos pólos variem muito mais nas transições de frio para calor, ou vice-versa, no equador também há uma variação de temperatura importante. “As temperaturas tropicais [médias] variaram entre os 22 e os 42 graus, o que refuta a ideia que existe um limite superior fixo para o calor nos trópicos e sugere que a vida no passado deverá ter evoluído para aguentar o calor extremo”, referem os autores, também no sumário.

Outro dado importante é que os períodos mais quentes a nível geológico estavam ligados a níveis altos de CO2 na atmosfera. “Esta investigação mostra claramente que o CO2 é o factor que domina as temperaturas globais ao longo do tempo geológico”, diz Jessica Tierney, da Universidade do Arizona, e outra autora do estudo. “Quando o CO2 é baixo, a temperatura é fria; quando é alto, a temperatura é quente”, resume.

A grande diferença actual, apontam os cientistas, é que o aumento da concentração de CO2 que os humanos estão a imprimir na atmosfera é de uma rapidez sem precedentes no Fanerozóico. “Os humanos e as espécies com quem partilhamos o planeta estão adaptados a um clima frio”, refere Jessica Tierney. “Colocarmo-nos a todos num clima mais quente com esta rapidez é perigoso.”