“Lei do esquecimento” continua por regulamentar. Deco e associações de doentes queixam-se à Provedoria de Justiça

Em causa está o acesso ao crédito e aos seguros associados para pessoas que superaram cancro ou vivem com VIH e outras patologias.

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Consulta de grávidas com VIH/Sida Rui Gaudêncio (arquivo)
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A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – Deco e diversas organizações de doentes fizeram esta quinta-feira queixa à Provedora de Justiça: continua por regulamentar a lei que consagrou o “direito ao esquecimento” no acesso ao crédito e aos seguros associados, para pessoas que superaram ou controlaram doença grave.

A jurista da Deco Margarida Moura começa por exaltar o espírito da lei. “É muito importante para que as pessoas deixem de ser alvo de discriminação por terem tido problemas de saúde que já superaram ou por terem uma doença que está controlada.”

Margarida Moura lembra que o diploma entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2022. A regulamentação dependeria de um acordo entre o Estado, as organizações de doentes e as associações representativas de instituições financeiras e seguradoras. Não sendo possível alcançar um acordo, o Governo faria um decreto-lei.

Decididas a acabar com a discriminação, já antes as organizações de defesa dos doentes se prepararam para protestar. Não o fizeram, porque a Lei do Orçamento do Estado para 2024 instituiu seis meses para se chegar a acordo. Extinguido o prazo, não há sinal do decreto-lei.

Sem isso, não vinga a proibição de aumentar o prémio de seguro, excluir garantias de contratos de seguro, recolher de informação de saúde relativa à situação de risco agravado de saúde ou de deficiência, decorridos determinados prazos após (ou de) tratamentos. Entretanto, pessoas que sobreviveram a um cancro ou vivem com doenças como VIH/sida, diabetes ou hepatite C enfrentam dificuldades, por exemplo, para contratar um seguro de vida associado ao crédito para habitação.

“Temos doentes que invocam o direito ao esquecimento e esbarram na falta de regulamentação”, diz Carla Barbosa, da Liga Portuguesa contra o Cancro. Algumas seguradoras avançaram por moto próprio, mas outras não. “Não há uniformização.”

Conhece quem se tenha deparado com falta de disponibilidade da seguradora para contratar o seguro – “A seguradora faz uma avaliação do risco benefício e decide não contratar”. Também conhece quem tenha conseguido fazer a contratação de seguros, mas estes excluem da cobertura determinadas patologias e há um agravamento no prémio.

“Portugal está na vanguarda”, sublinha. “Apenas França, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo adaptaram legislação semelhante. Fomos o quinto na Europa. Há um movimento para que este direito se torne extensível a todos os países que fazem parte da União Europeia. Agora, não basta prever direitos na lei. É preciso pôr em prática. E para isso precisamos da regulamentação.”

A Provedoria de Justiça não pode forçar o Governo a tratar do decreto-lei. “Pode recomendar ao Governo que cumpra o seu dever”, atalha Carla Barbosa. “Neste momento as forças governamentais estão em incumprimento. Fazer queixa à Provedoria de Justiça é uma forma de alertar, de fazer pressão.”

Numa nota conjunta enviada às redacções esta quinta-feira explica-se que a regulamentação deverá definir a informação obrigatória a divulgar pelas instituições de crédito e seguradoras sobre o direito ao esquecimento. E fixar “uma grelha de referência que permitirá definir termos e prazos mais favoráveis do que os definidos na lei, para cada patologia ou incapacidade, em linha com o progresso terapêutico, os dados científicos e o conhecimento sobre o risco de saúde, de crédito ou segurador que cada patologia ou incapacidade represente”.

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