Soalheiro: Às mãos de Asun chega uma única casta, e delas saem muitos vinhos
Cada vez mais no Soalheiro se explora o enorme potencial do Alvarinho, usando uvas de parcelas com características diferentes e recorrendo a diversos métodos de vinificação.
A enóloga do Soalheiro, a galega Asun Carballo, chama àquilo que tem de fazer por estes dias “um Tetris”. No fundo, é um jogo de encaixar peças que aqui são caixas e caixas de uvas, que vão sendo entregues, ao longo de mais ou menos três semanas, por um conjunto de 198 produtores. Mas a complexidade não termina aí. É que cada um dos produtores pode ter parcelas diferentes, que são encaminhadas na adega para vinhos diferentes. Isto significa trabalhar das oito da manhã às vezes até às três ou quatro, ou até às cinco, como aconteceu na noite anterior à da nossa visita à adega de Melgaço.
Estamos a falar essencialmente de uma casta — o Alvarinho — embora o Soalheiro também já tenha alguns vinhos com Loureiro e com Alvarelhão. No entanto, quando olhamos para as caixas que continuam a chegar das várias vinhas que estão a ser vindimadas hoje, o que vemos são os característicos cachos densos e de bagos pequenos do Alvarinho.
Só que destas mesmas uvas fazem-se muitos vinhos, e é esse o lado fascinante do trabalho de Asun. Desde que o Soalheiro nasceu, há 50 anos, que a família Cerdeira e a sua equipa têm vindo a explorar e a aprofundar o potencial desta casta, que se desdobra em vinhos tão diferentes com um Pét-Nat, um espumante de método clássico, um Granit (das vinhas de altitude), um Natur (biológico e totalmente sem adição de sulfitos) e tantos outros que foram surgindo ao lado do best-seller da casa que é o Soalheiro clássico. No dia em que visitamos, chegam as uvas do Primeiras Vinhas (incluindo a da vinha Soalheiro original, de 1974) para a edição comemorativa dos 50 anos, que se comemoram este ano.
No seu sotaque galego, Asun diz-nos que o Alvarinho “é das castas mais agradecidas que temos” porque “suporta inox, ânforas, ovo de cimento”, e revela sempre um lado diferente. Se, como diz Maria João Cerdeira, proprietária do Soalheiro, quando tudo começou, há meio século, pensava-se que esta casta só se daria nas zonas mais férteis, do vale, hoje ela cresce em altitude e revela outras facetas da sua identidade. “Para um enólogo é muito interessante ver todas as expressões que ela tem”, sublinha Asun. “Um Alvarinho que faz a curtimenta [estágio com películas] nas ânforas não tem nada a ver com um que é prensado em menos de 45 minutos da chegada à adega.”
O Loureiro, com que fazem o Allo, também se vai revelando aos poucos. “Não tem uma estrutura tão complexa como o Alvarinho, mas estamos a trabalhar para conseguir que seja mais gordo na boca.”
Estas são semanas de muito pouco sono, mas também de uma adrenalina que se renova a cada dia, quando as caixas de fruta acabada de vindimar chegam à adega e, entre as quantidades grandes que vão para os vinhos mais famosos do Soalheiro, Asun reserva outras para novas experiências.
Uma delas, que tem direito a uma prensa pequenina só para ela, é a que faz com as uvas de pé franco (sem porta enxerto) vindas da Quinta da Folga, de Maria João. Nos dois primeiros anos fizeram 500 garrafas, mas é também destas aventuras e descobertas que se faz o Soalheiro. A casa tem como mote “caminhar sem sair do lugar” porque, na realidade, o lugar ainda tem tanto para dar.