Supremo Tribunal de Justiça decide sobre incumprimento da Lei de Bases do Clima
O Estado português não pôs em prática medidas previstas na Lei de Bases do Clima. Três associações ambientalistas pedem que os tribunais reconheçam o incumprimento e obriguem o Governo a agir.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) anuncia nesta quinta-feira a sua decisão sobre a acção interposta pelas associações ambientalistas Último Recurso, Quercus e Sciaena contra o Estado português, por incumprimento da Lei de Bases do Clima.
Em comunicado enviado às redacções, a associação Último Recurso realça que se trata do primeiro caso de litigância climática em Portugal. A associação Último Recurso foi criada em 2022 e tem como missão utilizar os meios legais para responsabilizar aqueles que são considerados os principais contribuidores para a crise climática em Portugal.
"A decisão será um marco na história da litigância climática em Portugal, numa altura em que há cada vez mais casos de luta climática ao nível internacional que encontraram apoio nos tribunais", refere a associação, considerando que hoje "a litigância climática dá um novo passo histórico em Portugal".
O que se pode pedir?
O STJ vai decidir sobre o prosseguimento da acção judicial interposta em Novembro de 2023 pela Associação Último Recurso, a Quercus e a Sciaena contra o Estado português pelo incumprimento da Lei de Bases do Clima, cujos prazos "continuam em atraso".
A petição inicial foi recusada no Tribunal Cível de Lisboa, em Maio de 2024, sob pretexto de que o pedido era "ininteligível". Mas a Último Recurso, a Quercus e a Sciaena dirigiram-se, num "recurso per saltum" (ou seja, sem passar pela segunda instância), directamente ao STJ, que vai decidir sobre a continuidade do processo.
No recurso apresentado ao Supremo, elaborado pelos advogados Ricardo Sá Fernandes e Sandra Aguiar, as associações ambientalistas consideram a decisão da primeira instância como "manifestamente inconsistente" e insistem que o pedido apresentado é claro: o tribunal deve reconhecer que o Estado português está em incumprimento da lei ao falhar em mais de um ano uma série de prazos previstos na Lei de Bases do Clima. Deve também obrigar o Estado a tomar acções necessárias para cumprir a lei portuguesa e os seus compromissos internacionais.
A acção judicial, adianta a Último Recurso, procura "encontrar na justiça a resposta à crise climática que o Estado português não deu".
Atrasos na Lei do Clima
A Lei de Bases do Clima foi aprovada em 2021 com um amplo consenso à esquerda e à direita, mas, no entender dos autores da acção judicial, o Estado português falhou na implementação de medidas, como a elaboração de orçamentos de carbono, a actualização de um portal de acção climática e aprovação dos planos sectoriais de mitigação e de planos sectoriais de adaptação.
"Estas diligências são essenciais para assegurar uma redução até 2030 de, pelo menos, 55% da emissão de gases de efeito de estufa em relação aos valores de 2005", salienta a Último Recurso. Até hoje, nenhuma destas medidas foi plenamente cumprida, um atraso que já se estende por mais de um ano e meio.
Os três grupos de defesa do clima manifestam-se confiantes num desfecho positivo por parte dos juízes do STJ, na expectativa de que a justiça portuguesa acompanhe a tendência da jurisprudência internacional que, nos últimos anos, julgou e apoiou diversas acções em defesa do clima.
Segundo as três associações, dar uma resposta urgente à crise climática e cumprir a Lei de Bases do Clima é "fundamental para garantir um planeta saudável para todos, especialmente para os portugueses, que estão a sentir cada vez mais os efeitos das alterações climáticas". Exemplos? A "seca e a escassez de água estão a impactar culturas agrícolas de norte a sul do país, Portugal sofreu várias ondas de calor no verão" e os incêndios rurais. A área ardida em 2024 já é a maior dos últimos sete anos.