Incêndios: Sever do Vouga continua a preocupar, Oliveira de Azeméis e Albergaria acalmam
Quarta-feira termina com mais de 100 fogos activos. Há aviso renovado de que a vaga de incêndios ainda não chegou ao fim, mas o estado do tempo deverá começar a auxiliar o combate às chamas.
“As próximas 24 horas vão continuar muito complexas”. As palavras de André Fernandes, Comandante Nacional de Emergência e Protecção Civil, na noite de quarta-feira, ao final de mais um dia de intensos incêndios que assolam o país, trazem uma triste sensação de déjà vu ao repetir as palavras já ouvidas nas anteriores conferências de imprensa. Ao início da noite, havia mais de 125 fogos activos e mais de 50 concelhos mantinha-se em risco máximo de incêndio.
Continuavam a motivar maior preocupação os incêndios activos em Sever do Vouga, distrito de Aveiro; Castro Daire, Penalva do Castelo e Nelas, em Viseu; e Vila Pouca de Aguiar, em Vila Real. Voltando às palavras de André Fernandes, num ponto de situação feito às 20h, “há incêndios a lavrar há vários dias e que têm ainda muita intensidade”.
Houve também boas notícias: os incêndios em Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha, Baião e Gondomar foram dominados e estavam já na fase de resolução. Desde segunda-feira, foram registadas sete mortes - cinco que a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil atribui directamente aos incêndios e outras duas que foram noticiadas, atribuídas a paragem cardíaca, mas que também ocorreram em contexto de incêndio. Esta quarta-feira não houve registo de novas vítimas mortais.
Mas “as próximas 24 horas vão continuar muito complexas”, relembra André Fernandes.
Mais de 109 mil hectares ardidos
O Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS, na sigla inglesa) estima que a área ardida desde o início do ano seja já de 106 mil hectares, com base na sua rede de satélites. Contudo, de acordo com informações do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) actualizadas esta quarta-feira, os dados provisórios sobre a área ardida subiram já para 109.302 hectares. Entre estes, mais de 92 mil hectares ardidos em apenas dois dias.
As chamas consumiram 30.604 hectares de mato e 14.209 hectares de áreas agrícolas, mas a grande fatia dos espaços queimados (59%), ou seja, 64.488 hectares, são zonas de povoamento florestal.
A conclusão resulta de comparação dos dados desta quarta-feira com uma consulta do PÚBLICO da página do ICNF há dois dias, sensivelmente à mesma hora, estando nessa altura contabilizados apenas 5424 fogos. Na segunda-feira passada, pouco antes das 16h, a área ardida registada era de 16.869 hectares, o que significa que arderam mais de 92 mil hectares em dois dias.
Apoios “muito brevemente”
O ministro da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, prometeu esta quarta-feira apoios “muito brevemente", com prioridade para primeiras habitações e empresas, afectadas pelos incêndios. "Apoios de maior vulto, apoios para a reconstrução de fábricas, de casas, esses aí é que não poderiam ter começado, mas vão começar muito brevemente. Se tudo correr bem, vão começar em prazos muito razoáveis", afirmou.
No terreno, as Forças Armadas reforçaram a capacidade de apoio, com cerca de 250 militares a juntarem-se aos mais de cinco mil operacionais que actuam no combate aos fogos.
Também o Estado espanhol tem prestado apoio. Foram enviados 248 operacionais e 82 meios aéreos para auxiliar os bombeiros portugueses que combatem as chamas no Norte e Centro do país. “As unidades da Unidade Militar de Emergências (UME) já estão em Portugal, a colaborar na extinção dos incêndios”, escreveu esta quarta-feira o Ministério da Defesa espanhol na rede social X.
Chuva no final da semana
Entretanto, o estado do tempo vai mudar. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) prevê que nos próximos dias as condições meteorológicas comecem a facilitar o combate aos incêndios. O vento vai deixar de ser “tão quente e seco”, menos intenso e passará a soprar “de Sul e depois de Oeste” em todo o território — vai tornar-se menos volátil e imprevisível a propagação das chamas, afirmou a meteorologista Patrícia Marques, do IPMA, em declarações ao PÚBLICO na tarde de quarta-feira.
“Tudo aponta para uma melhoria nas condições meteorológicas para o combate aos incêndios”, assegurou a especialista. O IPMA prevê a ocorrência de aguaceiros a partir de quinta-feira na região Sul, mas no Norte e Centro, onde os incêndios continuam a mobilizar milhares de operacionais, a chuva só deve chegar na sexta-feira.
A previsão actual indica que a chuva deve manter-se ao longo da próxima semana, ainda que com pouca intensidade.
Alterações climáticas
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse estar a acompanhar a situação dos fogos em Portugal com atenção e afirmou que a “crise climática é um factor multiplicador de todas as tragédias que assistimos”.
“É absolutamente evidente que o agravamento dos incêndios em Portugal, o agravamento das cheias na Europa central e oriental, o agravamento das cheias na Nigéria e um conjunto de outros desastres que vemos multiplicar por toda a parte no mundo tem uma relação directa com o agravamento da crise climática. Hoje ninguém tem dúvidas a esse respeito”, reforçou Guterres, em resposta à Lusa, em Nova Iorque.
Entretanto, um grupo de cidadãos já agendou um protesto para este domingo, às 17h, em diversas cidades do país, contra a “catástrofe social, climática e política que representa um país permanentemente em risco de chamas”.
Sob o mote “O país arde, temos de acordar”, a mobilização tem como objectivo exigir “o fim do ciclo de incêndio, morte, pobreza e desertificação”, reafirmando a urgência de um novo modelo de gestão e exploração florestal. Com Carolina Amado, Mariana Oliveira e Marta Sofia Ribeiro