Bancos brasileiros estão na palma da mão em toda parte do mundo

Presidente da Febraban, Isaac Sidney diz que os bancos brasileiros estão entre os mais modernos do mundo e têm dado forte contribuição para a economia do Brasil por meio do crédito.

Foto
Isaac Sidney, presidente da Febraban, afirma que os bancos brasileiros investirão neste ano quase 8 bilhões de euros em tecnologia Febraban
Ouça este artigo
00:00
15:22

Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.

Acesso gratuito: descarregue a aplicação PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.

Em um mundo cada vez mais globalizado, os bancos brasileiros, que atravessaram bem os desafios da pandemia e da crise econômica global de 2008, se consolidaram e estão buscando se internacionalizar, acompanhando também a necessidade das empresas e das famílias, que buscam por investimentos externos e facilidades nas transações financeiras. Essa realidade, já vivenciada pelos brasileiros que estão em Portugal, só se tornou possível em razão dos bilhões de reais em investimentos feitos anualmente pelas instituições financeiras do Brasil. Hoje, reconhecidos como líderes globais em inovação bancária e em serviços financeiros nos canais digitais, os bancos brasileiros viajam com cada cliente por onde quer que eles se encontrem, inclusive no exterior.

É o que analisa o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, ex-diretor do Banco Central. Para ele, “ao mesmo tempo tradicional, robusto, seguro e inovador, o sistema bancário brasileiro continua na vanguarda da tecnologia mundial e de um processo massivo de digitalização e inclusão financeira”. Os bancos passaram a ser vitais na recuperação econômica do país. E o motor desse processo foi a concessão do crédito, que atingiu crescimento expressivo nos últimos 20 anos e ainda tem grande potencial. “Não vejo porque não poderíamos ousar, por exemplo, para chegarmos a um estoque de crédito de 100% do PIB”, prevê Isaac.

Qual a sua avaliação sobre o atual estágio do sistema financeiro brasileiro?

Eu diria que o setor bancário brasileiro está num excelente momento e eu, particularmente, pude vivenciar dois cenários de enorme criticidade por que passaram os bancos nos últimos 15 anos: a crise financeira de 2008 e a pandemia de 2020 a 2022. Quase sofremos um arrastão global em 2008, com a crise financeira internacional e a quebradeira de bancos importantes. Fomos, efetivamente, testados no limite e passamos por uma prova de fogo, mostrando forte resiliência.

Na pandemia, já estávamos com musculatura, que, na linguagem bancária, significa robustez e níveis elevados de capital, liquidez, provisão e rentabilidade. Fizemos a diferença, injetando na economia R$ 15 trilhões (2,5 trilhões de euros), funcionando, ao mesmo tempo, como muro de contenção, para evitar a deterioração da economia, e como alavanca, para reimpulsionar a atividade econômica. É algo que a sociedade brasileira deveria se orgulhar perante o resto do mundo. E ainda nos mantivemos na vanguarda da inovação bancária mundial e de um processo massivo de digitalização e inclusão financeira.

É possível dizer que os bancos brasileiros estão entre os mais avançados do mundo? Por quê?

Sem dúvida. Quando se fala em tecnologia de finanças, os bancos estão na frente há três décadas, desde a chegada da internet no Brasil e muito antes de surgirem as atuais Fintechs, que tem contribuído bastante para a democratização do acesso ao mundo financeiro. Mas, olhando para a história da tecnologia bancária, os bancos brasileiros seguem entre os pioneiros em inovação. Nossos bancos são frequentemente citados em relatórios e estudos internacionais como exemplos de boas práticas em segurança digital e avanços tecnológicos. Não abrimos mão de uma regulamentação forte, de inovação constante e de um mercado financeiro que fortaleça a confiança dos consumidores no sistema bancário nacional.

Como têm sido os investimentos do sistema bancário em tecnologia?

São e continuarão robustos. A indústria bancária continuará a investir cifras expressivas em tecnologia. Basta ver que, em oito anos, o orçamento em tecnologia dos bancos mais que dobrou, priorizando áreas como exploração de dados, segurança cibernética e experiência do cliente. O orçamento total dos bancos brasileiros destinados à tecnologia, englobando despesas e investimentos, deverá atingir, neste ano, R$ 47,5 bilhões (7,9 bilhões de euros), um crescimento de 21% em relação a 2023. Isso mostra que não brincamos de sermos bancos.

E os investimentos para a segurança do sistema? Os consumidores estão protegidos?

Sim, bem protegidos. Não basta o sistema financeiro ser um dos mais avançados e inovadores do mundo; claro que o cliente quer ter acesso a serviços e produtos financeiros com eficiência e comodidade, mas, acima de tudo, não podemos permitir que os bancos sejam canais de ilícitos financeiros. Os bancos não são apenas depositários das economias das pessoas e meros emprestadores de dinheiro; somos guardiões de valores que tocam as relações econômicas.

Diariamente, atendemos dezenas de milhões de pessoas e de empresas de todos os tamanhos e nas mais diferentes regiões do Brasil, que realizam seus pagamentos, honram seus compromissos, acessam produtos e serviços bancários, tanto de crédito como de investimentos. Por isso, os nossos clientes esperam de nós integridade, confiança, transparência e lisura no relacionamento. Os bancos investirão em 2024 cerca de R$ 5 bilhões (833 milhões de euros) em segurança da informação, especialmente, em prevenção a fraudes e segurança cibernética.

Os bancos brasileiros têm exportado tecnologia? Quais?

Temos muito potencial e tanto o PIX quanto o Open Finance brasileiros são cortejados por diversos países ao redor do mundo. Afinal, já são mais de 5 bilhões de transações mensais via PIX e cerca de 50 milhões de consentimentos de compartilhamento de dados via Open Finance. Os bancos brasileiros são amplamente reconhecidos como líderes globais em tecnologia e serviços em canais digitais. Hoje, oito em cada 10 transações ocorrem por meio de canais digitais, sendo sete por celulares. Carregamos no nosso bolso um banco.

A FEBRABAN TECH se tornou um polo de inovação. A que atribui esse sucesso?

O FEBRABAN TECH é reflexo do que o setor bancário sempre foi e tem de melhor. Se consolidou como uma marca, um hub de networking e trocas de conhecimento sobre finanças e inovação. É o maior ponto de encontro entre o setor financeiro e as empresas de tecnologia. É uma esquina onde deixamos as diferenças de lado, uma grande feira onde bancos, fintechs, startups e players de tecnologia fazem parcerias e impulsionam inovação.

De que forma a FEBRABAN TECH contribui para o sistema financeiro?

Como eu disse, o FEBRABAN TECH é uma interação entre fintechs e bancos, criando oportunidades para parcerias e colaborações. Essas parcerias permitem a adoção de novas tecnologias e modelos de negócios que podem transformar o setor. É um grande laboratório de ideias. Vemos o FEBRABAN TECH como um celeiro na discussão das melhores práticas na simbiose finanças e inovação.

Foto

O PIX fez uma revolução no sistema bancário brasileiro. Quais os próximos passos?

O PIX transformou significativamente o sistema de pagamentos e de transferências no Brasil. Desde seu lançamento, em novembro de 2020, o PIX tem sido amplamente adotado e se incorporou na vida cotidiana dos brasileiros. Mas temos mais novidades à vista: PIX Automático, PIX por Aproximação, PIX Saque, PIX Troco, PIX Agendado e PIX Garantido, além da API de Pagamentos. Tem muita coisa boa a caminho, e os bancos estarão em todas essas frentes.

Como está a concorrência no sistema bancário no Brasil?

Temos experimentado uma acirrada competição entre as instituições bancárias brasileiras nos últimos anos, especialmente, no mercado de crédito, um dos mais competitivos do mundo. Se não tivesse concorrência, os bancos deveriam apresentar lucros exagerados, ou fora da normalidade, em comparação com outros setores. Não é o que ocorre. Os lucros são altos em termos absolutos, dado, inclusive, o enorme volume de capital investido. O setor bancário está apenas na 17ª colocação, com rentabilidade de 14,1%, três vezes menor do que a média dos cinco setores mais rentáveis. Já em uma comparação internacional, com os 1.000 maiores bancos do mundo, os maiores bancos brasileiros também não são os mais rentáveis, mesmo entre os países emergentes. Na média entre 2019 a 2023, os maiores bancos brasileiros tiveram retorno de 17,7%, abaixo dos maiores bancos da Argentina (19,3%), do Peru (18,7%) e do México (18,3%), por exemplo.

É importante deixar claro que concentração e competição são coisas diferentes. Muito se fala que a concentração inibe a competição, o que levaria a lucros abusivos, decorrentes, em grande parte, dos spreads elevados. Essa narrativa não se sustenta quando observamos as estatísticas de forma mais atenta. Quando olhamos para os dados de concentração, os números do Banco Central têm mostrado uma tendência de redução desde 2017. Já quando se analisa a concentração entre as diferentes linhas de crédito, as modalidades mais concentradas são as que possuem forte presença do setor público, como crédito rural e imobiliário, enquanto as linhas com maior presença dos bancos privados são caracterizadas como de baixo ou moderado grau de concentração.

Como vê a internacionalização dos bancos brasileiros? É possível avançar nesse processo? Como?

Os bancos locais, tanto por capacidade quanto por necessidade, estão cada vez mais buscando se internacionalizar. Quando falo em capacidade, penso na própria evolução e sofisticação do nosso sistema bancário e de pagamentos, com tecnologia e produtos de ponta, em condições de competir em igualdade com os mercados mais desenvolvidos. De outra parte, percebo uma maior internacionalização das nossas empresas e famílias, inclusive no caso das pessoas físicas na busca por investimentos externos, o que tem obrigado nossos bancos a se moverem para o exterior para atender a esta demanda.

De que forma os bancos têm contribuído para o fortalecimento da economia brasileira?

O principal vetor ainda é o crédito bancário, mas já somos fundamentais na intermediação do mercado de capitais. Nossa atividade primária ainda é a concessão de crédito para pessoas e empresas, confiamos R$ 6 trilhões (1 trilhão de euros) de saldo na economia, somos, portanto, uma alavanca para a atividade econômica. Assim, temos preocupações com tentativas de aumento no custo do crédito, como mais impostos, o que tem sido danoso para garantir maior fluxo de recursos para quem precisa nesse momento de retomada.

Os bancos têm desempenhado papel fundamental na economia nacional e temos forte disposição para novos empréstimos. O crédito bancário segue crescendo mais que o Produto Interno brasileiro e deve se expandir mais de 10% em 2024. Com o PIX, demos um salto na bancarização e na inclusão financeira e aceleramos a curva de educação financeira da população brasileira. Atualmente, mais de 80% das transações bancárias são feitas digitalmente.

Há espaço para um aumento mais forte do crédito?

O saldo total das operações de crédito bancário no Brasil superou a marca de R$ 6 trilhões (1 trilhão de euros) em junho de 2024, o equivalente a quase 54% do PIB (Produto Interno Bruto) — maior patamar da série histórica. Temos um mercado de crédito com dimensão e profundidade importantes, além de já bastante sofisticado e desenvolvido. No entanto, ainda há um espaço relevante para a ampliação do crédito. Não vejo porque não poderíamos ousar, por exemplo, para chegarmos aos 100% do PIB, replicando o que temos hoje no Chile. Quero viver esse momento no Brasil, e acho que poderá ser num futuro não muito distante.

O crédito bancário no Brasil apresentou crescimento expressivo nos últimos 20 anos, saindo de cerca de 24% do PIB, no final de 2003, para os atuais 53,9%. Essa expansão se intensificou a partir de 2004, quando avançamos em importantes reformas estruturais, tanto macroeconômicas quanto microeconômicas. Mas precisamos avançar muitas casas ainda na redução estrutural do spread (e dos juros). Temos de perseguir uma agenda focada na redução dos custos de intermediação financeira. Ainda temos uma baixa taxa de recuperação de garantias no país, que está entre as menores do mundo. No caso, menos de 20% dos créditos garantidos são recuperados em casos de falência, e o processo de recuperação é demorado e oneroso em comparação internacional. Temos, também, os aspectos tributários, em que o setor financeiro é o maior pagador de tributos no Brasil. Pagamos 45% de alíquota de IR e CSLL contra 34% de todas as empresas.

Quais os principais desafios para a economia brasileira?

Não há bala de prata, nem saída milagrosa, tampouco atalhos, e a sociedade já sabe disso. Só conseguiremos deixar de patinar e de andar de lado se retomarmos a agenda de reformas estruturais. O principal desafio é retomar o crescimento econômico de forma sustentada. Temos de criar condições favoráveis para investimentos, tanto públicos quanto privados. Isso somente se faz com uma mudança brusca e atrativa do ambiente de negócios. Sem investimentos robustos, especialmente em infraestrutura, educação e inovação, o Brasil terá dificuldades para competir globalmente e sustentar um crescimento econômico de longo prazo. Para isso, o país precisa avançar em reformas estruturais que tornem o ambiente econômico mais previsível e estável.

Como os bancos estão lidando com as questões ambientais?

Os bancos brasileiros têm e terão papel de relevo na transição para uma economia de baixo carbono, para uma economia mais verde, para uma necessária transição energética e, especialmente, para monetização de ativos ambientais. Sou testemunha de que o setor bancário tem avançado nos esforços para a transição do país a uma economia mais verde e de baixo carbono, assim como na promoção das finanças sustentáveis. Atualmente, as instituições financeiras também desempenham funções de emissão e concessão nessas operações.

Os bancos já captaram mais de R$ 41 bilhões (6,8 bilhões de euros) em Operações Rotuladas até julho de 2024. Esses recursos estão sendo direcionados para seus clientes, a fim de que o capital seja investido em atividades que tragam benefícios ambientais, sociais e climáticos. Desde 2015, o setor bancário utiliza a “Taxonomia Verde da Febraban”, e já destinamos mais de 20% do crédito para as empresas em empreendimentos da chamada economia verde. Em 2024, a Febraban passou a integrar o Comitê Consultivo da Taxonomia Sustentável Brasileira, o que revela que estamos engajados na agenda ESG.

Os bancos estão impondo restrições para desmatadores? Quais?

Sim, e vamos avançar mais nessa toada. Em março de 2023, a Febraban introduziu um novo normativo em seu Sistema de Autorregulação Bancária, que obriga os bancos a terem protocolos internos contra o desmatamento ilegal, especialmente nas operações de crédito com clientes frigoríficos e matadouros.

Qual a sua perspectiva para o futuro do sistema financeiro? O dinheiro físico vai acabar?

No setor bancário, tudo vai se aprimorando. Nada acabará de uma vez. Os bancos estarão sempre prontos para as mudanças. Não existe um apocalipse na indústria financeira. Sempre haverá uma Arca de Noé, onde o original será preservado e terá enorme valor. Os bancos e a circulação do dinheiro nunca irão desaparecer. No fundo, todos os atores do mercado querem ser como um banco e há espaço para todos. Somos uma indústria, e cada qual é um elo importante numa grande engrenagem.

Olhando tudo isso, o dinheiro físico não vai desaparecer, mas a sua importância será cada vez menor. No Brasil, por exemplo, a tecnologia aplicada aos meios de pagamento, a crescente inclusão financeira e a facilidade na utilização dos produtos financeiros reduzirão dramaticamente a utilização do dinheiro físico. Mas a intermediação financeira e bancária permanecerá firme e forte. E assim espero!

Sugerir correcção
Comentar