Caxemira elege o seu Parlamento pela primeira vez desde que perdeu autonomia

Nove milhões de eleitores do território indiano de maioria muçulmana, a quem Modi retirou o estatuto especial em 2019, são chamados às urnas 10 anos depois da última eleição. Resultados só em Outubro.

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Um grupo de mulheres faz fila em Kokernag para participar nas eleições regionais de Caxemira Sharafat Ali / REUTERS
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Pela primeira vez em dez anos e pela primeira vez desde que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, revogou o seu estatuto de autonomia parcial, em 2019, centenas de milhares de eleitores do estado de Jammu e Caxemira deslocaram-se esta quarta-feira às urnas para a primeira de três fases de um processo que vai decidir quem serão os 90 membros da Assembleia Legislativa estadual.

O território da região dos Himalaias é palco de uma disputa histórica entre Índia e Paquistão, vizinhos e potências nucleares, e é o único estado indiano em que a população é maioritariamente muçulmana. Altamente militarizado, testemunhou inúmeros episódios de violência e de terrorismo nos últimos setenta anos, sendo reivindicado por grupos fundamentalistas e separatistas islâmicos.

A decisão do Governo, em 2019, foi tomada em nome da “segurança” e do “desenvolvimento” de Caxemira, mas, segundo os críticos de Modi, enquadra-se na política ultranacionalista identitária hindu implementada pelo Partido Bharatiya Janata (Partido do Povo Indiano, BJP) desde que o primeiro-ministro chegou ao poder, há dez anos.

O executivo indiano aboliu o artigo 370.º da Constituição, que garantia uma autonomia relativa ao território para aprovar as suas próprias leis e políticas em determinadas áreas – excluindo a Diplomacia e a Defesa; acabou com os direitos de protecção à maioria muçulmana; reprimiu os protestos contra a decisão; dividiu a região em dois “territórios da união” (Jammu e Caxemira, e Ladakh), directamente governados por Nova Deli; e nomeou pessoal administrativo e de segurança para cargos de chefia em Caxemira.

A Índia é um país multiétnico e multirreligioso e consagrou a laicidade na sua Constituição, em 1976. Mas Modi e o BJP são acusados pela oposição de estarem a levar a cabo uma política oficial de Estado que discrimina algumas minorias étnicas, nomeadamente a comunidade muçulmana (14% da população), e que tem estado na origem de sucessivos casos de violência religiosa nos últimos anos.

Transição?

Com o Governo indisponível para devolver a autonomia parcial a Jammu e Caxemira, estas eleições estão a ser vistas numa de lógica de eventual transição política do território para um estatuto equiparável aos restantes estados do país; mas isto apenas se Modi decidir que o estado pode deixar efectivamente de ser um “território da união”.

Não obstante, há partidos em Caxemira que defendem, nos respectivos programas eleitorais, a recuperação do artigo 370.º e da autonomia.

Um desses partidos é a Conferência Nacional (NC), aliada do Congresso Nacional Indiano, hoje a principal força de oposição ao BJP a nível nacional. Nas eleições legislativas nacionais, realizadas na primeira metade deste ano e vencidas pelo partido de Modi, sem maioria, a NC elegeu dois dos três lugares atribuídos a deputados do vale de Caxemira.

O principal adversário da NC é o Partido Democrático Popular (PDP), que governou Caxemira em coligação com o BJP entre 2014 e 2018.

Ao contrário das eleições regionais anteriores, em que os grupos separatistas incentivavam os eleitores a não votarem, desta vez espera-se uma participação ao nível da que foi registada nas eleições nacionais de Abril e de Maio (acima dos 58%), por se tratar de mais uma oportunidade para marcar uma posição a favor da restauração da autonomia e para impedir que o BJP possa fazer parte de uma solução governativa.

Citado pela Reuters, um responsável das autoridades eleitorais de Caxemira informou que, por volta das 13 horas locais, a participação andava na casa dos 41%. No total, há nove milhões de eleitores inscritos.

Organizada com um forte dispositivo de segurança, a votação desta quarta-feira tem como objectivo a escolha de 24 dos 90 deputados da Assembleia Legislativa e estão previstas mais duas votações (25 de Setembro e 1 de Outubro) relativas aos restantes membros. A contagem de todos os votos e a divulgação dos resultados finais estão agendadas para o dia 8 de Outubro.

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