Arde violentamente o eucaliptal
Neste últimos dias temos assistido à concretização de uma previsão há muito anunciada. Era apenas uma questão de tempo até se conjugarem os fatores apropriados: manchas contínuas de monocultura lenhosa, forte gestão de abandono dessa ocupação do território, comportamentos socialmente deploráveis e condições meteorológicas favoráveis. Não são, pois de estranhar os recentes acontecimentos, sobretudo na região Centro, com forte impacto no distrito de Aveiro.
Apesar da previsão, antes concretizada em Odemira, na serra de Monchique, na região de Pedrógão Grande e em várias outras localizações nas regiões algarvia, do Centro e do Norte de Portugal Continental, bem como na Região Autónoma da Madeira, ai de quem defenda a redução da área ocupada por plantações de eucalipto no país! Os estudos e propostas de programas e planos que têm vindo a justificar essa contração de área de eucaliptal, a maior área relativa a nível mundial, a maior absoluta a nível europeu, mas com a mais miserável produtividade média anual por hectare, são liminarmente engavetadas.
Os programas regionais de ordenamento florestal (PROF) de primeira geração, aprovados e publicados oficialmente em 2006 e 2007, com metas de redução regional da área ocupada por plantações de eucalipto, viram tais metas serem posteriormente suspensas. Em vez de contração, assistiu-se à expansão da área de eucaliptal nessas regiões.
Recentemente, uma proposta para um programa de reordenamento e gestão da paisagem (PRGP), a envolver dez freguesias dos concelhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra e Pedrógão Grande, com justificação técnica e científica para a redução da área ocupada por plantações eucalipto, foi liminarmente engavetada pela Direção Geral do Território (DGT).
Um outro desses programas, a incidir na região do “Pinhal Interior Sul”, a cargo do Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), jamais viu a luz do dia. Sabemos, contudo, qual a ocupação arbórea dominante em concelhos dessa região, como Mação. Também sabemos do seu histórico em matéria de incêndios florestais.
Será que depois dos acontecimentos dos últimos dias o atual governo pretende trazer tais PRGP à discussão pública?
Também sabemos que a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), cuja atualização foi aprovada por Resolução do Conselho de Ministro em fevereiro de 2015 (Governo PSD/CDS-PP), dispõe de uma meta para a área de eucaliptal para 2030 igual à registada em 2010. Ou seja, dos atuais cerca de 900 mil hectares deveríamos possuir em 2030 apenas 810 mil hectares. Haverá intenção de cumprir tal meta pelo atual governo ou assistiremos a mais uma suspensão da meta, ou pior, a mais constatação de incumprimento em 2030?
Há muito também sabemos do peso do lóbi da indústria de celulose na formulação das decisões políticas, concretizada através de portas giratórias a envolver responsáveis das empresas nomeados para cargos políticos ou de direção de entidades públicas. Sabemos ainda como, de tais decisões ou da falta delas, se mantém um mercado a funcionar em concorrência imperfeita, agora dominado por um duopólio industrial, com o falso argumento de que não se pretende ter o Estado a regular o mercado. Curioso registar que tal argumento não se regista noutros setores da atividade econónica, como no mercado da energia, nas telecomunicações ou na saúde, por exemplo.
No mercado da rolaria de eucalipto não estão em causa apenas os interesses de centenas de milhares de produtores, maioritariamente perdedores, fruto do anúncio de rentabilidades marteladas, e de dois aglomerados industriais, apenas perdedores por ganância exacerbada. O que causa impacto no território diz respeito e afeta todos os cidadãos. Qualquer um pode ser vítima das chamas e uma grande maioria é vítima do fumo dos incêndios. Assume, assim, forte justificação para uma regulação formal deste mercado.
Há que estar atento às decisões políticas que se avizinham para se poder constatar se será o interesse público a vingar ou, novamente, os interesses das celuloses.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico