Estudo mostra como o cérebro da mulher se reorganiza durante a gravidez

Exames ao cérebro registaram uma queda de 4% no volume da massa cinzenta, mas não é claro que tal seja negativo. Também se registou o aumento da integridade estrutural da substância branca do cérebro.

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O cérebro das grávidas sofre um conjunto de mudanças como se fosse uma coreografia Nuno Ferreira Santos
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A gravidez provoca grandes mudanças no corpo da mulher hormonais, cardiovasculares, respiratórias, gastrointestinais e urinárias, entre outras. E, como revela um novo estudo, o cérebro também sofre grandes mudanças, algumas passageiras e outras mais duradouras.

Esta segunda-feira, os cientistas afirmaram que, pela primeira vez, conseguiram mapear as mudanças que ocorrem à medida que o cérebro de uma mulher se reorganiza em resposta à gravidez, com base em exames efectuados 26 vezes, começando três semanas antes da concepção, passando pelos nove meses de gravidez e dois anos após o parto.

O estudo documentou uma diminuição generalizada do volume da substância cinzenta no córtex, a zona enrugada que constitui a camada mais externa do cérebro, bem como um aumento da integridade microestrutural da substância branca localizada mais profundamente no cérebro. Ambas as alterações coincidiram com o aumento dos níveis das hormonas estradiol e progesterona.

A substância cinzenta é constituída pelos corpos celulares das células nervosas do cérebro. A substância branca é constituída pelos feixes de axónios fibras longas e finas das células nervosas que transmitem sinais em ligações de longa distância através do cérebro.

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Na substância branca registou-se uma integridade microestrutural crescente durante a gravidez Daniela Cossio

O estudo, o primeiro do seu género, baseou-se num único sujeito: a neurocientista cognitiva da Universidade da Califórnia em Irvine (EUA) e co-autora do estudo, Elizabeth Chrastil, que foi mãe pela primeira vez de um rapaz saudável, actualmente com quatro anos e meio. Elizabeth Chrastil tinha 38 anos durante o estudo e actualmente tem 43.

Os cientistas disseram que, desde a conclusão do estudo, observaram o mesmo padrão em várias outras mulheres grávidas que foram submetidas a exames cerebrais numa iniciativa de investigação em curso chamada Projecto Cérebro Materno. O objectivo é aumentar esse número para centenas.

“É chocante que em 2024 não tenhamos praticamente nenhuma informação sobre o que acontece no cérebro durante a gravidez. Este trabalho (de investigação) abre mais questões do que responde, e estamos apenas a arranhar a superfície dessas questões”, realça Elizabeth Chrastil.

Os exames revelaram uma redução média de cerca de 4% da massa cinzenta em cerca de 80% das regiões cerebrais estudadas. Uma pequena recuperação após o parto não devolveu o volume aos níveis anteriores à gravidez. Os exames mostraram também um aumento de cerca de 10% na integridade microestrutural da substância branca, uma medida da saúde e da qualidade das ligações entre as regiões cerebrais, com um pico no final do segundo trimestre e no início do terceiro trimestre, regressando depois ao estado anterior à gravidez depois do parto.

“Uma mudança coreografada”

“O cérebro materno sofre uma mudança coreografada ao longo da gestação e conseguimos finalmente observar o processo em tempo real”, afirma Emily Jacobs, neurocientista da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, autora sénior do estudo publicado na revista Nature Neuroscience.

“Estudos anteriores tinham tirado fotografias do cérebro antes e depois da gravidez. Mas nunca tínhamos visto o cérebro no meio desta metamorfose”, acrescenta Emily Jacobs.

Os cientistas afirmam que não é claro que a perda de massa cinzenta seja uma coisa má.

“Esta mudança pode indicar uma afinação dos circuitos cerebrais, não muito diferente do que acontece com todos os jovens adultos quando passam pela puberdade e o seu cérebro se torna mais especializado. Algumas alterações que observámos podem também ser uma resposta às elevadas exigências fisiológicas da própria gravidez, mostrando como o cérebro pode ser adaptativo”, salienta Laura Pritschet, investigadora de pós-doutoramento da Universidade da Pensilvânia (EUA) e principal autora do estudo.

Os investigadores esperam, no futuro, examinar de que forma a variação destas alterações pode ajudar a prever fenómenos como a depressão pós-parto e de que forma a pré-eclampsia, uma doença grave da tensão arterial que se pode desenvolver durante a gravidez, pode afectar o cérebro.

Elizabeth Chrastil disse ainda que, durante o estudo, não se apercebeu das alterações cerebrais e que não se sentiu diferente. “E assim, sabe, agora há alguma distância para poder dizer: ‘OK, bem, foi uma viagem louca’”, diz a investigadora.

“Algumas pessoas falam do ‘Cérebro da Mamã’ e coisas do género”​, acrescenta Elizabeth Chrastil, referindo-se ao nevoeiro mental que algumas mulheres grávidas sentem. “E eu não senti nada disso.”

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