A tristeza de ver o Brasil em chamas

A Amazônia está secando, queimando e ardendo pela sede dos poderosos. Por pessoas que não têm qualquer amor à terra e nem ao ser humano.

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Eu nasci em Belém do Pará há 68 anos. Desde então, ouço falar sobre a Amazônia. Ouço gente que não sabe a diferença entre Igapó e Igarapé, tentando ser amazônico e adaptar soluções para os nossos problemas, demandas e aflições. A Amazônia só será salva quando pararem de nos olhar de cima para baixo.

Soluções vindas do Sul ou do exterior de nada adiantarão, se o nosso povo não for ouvido e olhado nos olhos. Nós somos comunidades, de muitas etnias e muitas naturezas. Nós somos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas. Homens e mulheres da floresta e da cidade. Temos acompanhado a decadência da nossa região por pessoas que acham que podem solucionar problemas sem nos ouvir.

Eu nasci em um lugar onde o verde sempre imperou. As águas caudalosas de nossos rios nos chamavam para dentro delas. Não consigo imaginar a minha infância sem mergulhar em um igarapé ou nas baías do Guajará e do Sol. Nos rios Guamá, Amazonas, Tocantins e Xingu. A sede do homem foi dizimando e limitando a nossa relação com a natureza.

As inúmeras hidrelétricas renderam muito dinheiro para muitos governos. Alagaram cidades inteiras e, pior, desrespeitaram o homem nativo. A construção de Belo Monte é uma das aberrações mais horrorosas. Como é que pode alagar uma área gigantesca, alagar comunidades e jogar esse homem, que sempre viveu da água e da pesca, para 20 quilômetros dentro da floresta? O ribeirinho vive do que o rio dá, do que as águas trazem. O extrativista vive do interior das florestas. Os indígenas estão mais adentro ainda. Formamos o povo chamado de amazônico.

Hoje, quando abro a janela aqui em São Paulo e vejo um céu com uma cor estranha, cheio de fuligem e uma chuva ácida, sabendo que isso vem das queimadas e do desrespeito ao nosso povo, choro. Me pergunto: onde estão esses salvadores que nunca pararam para olhar para nós?

As queimadas tomaram conta do Brasil. Nas mais diversas regiões e, principalmente, em santuários ecológicos. Pantanal, Xingu, Amazônia e o interior de São Paulo, tudo está debaixo de fogo. Dói-me saber que há quem incentive e pague para pessoas desequilibradas atearem fogo na mata seca. Me pergunto, como controlar isso?

Belém, da minha juventude, sempre foi quente, mas recebia um vento fresco das ilhas, desde Marajó. Esse vento penetrava pela cidade e se misturava ao cheiro das mangueiras. Era quente, mas havia uma sombra de árvores que nos refrescavam, e com uma certa brisa.

A ganância imobiliária e a elite rica foram construindo e exigindo prédios cada vez mais altos, com vista infinita só para eles. Hoje, a cidade conta com um cinturão de concreto que toma toda a frente do vento que vinha de Marajó. O vento trava em uma imensa barreira de prédios de 30 a 40 andares, frutos de uma sede de demonstração de poder para mostrar quem mora na cobertura mais alta.

Essa ganância e esse egoísmo já começam a destruir a minha cidade. A brisa já não chega à população mais simples e nem à classe média. É triste. É muito triste. Eu, daqui, ser contaminada pela queimada da minha região, que está há pelo menos cinco horas de voo da minha casa em São Paulo. Belém ferve a 48 graus. Em Manaus deve estar um pouco mais do que isso, e por aí vai. O Brasil está secando, queimando e ardendo pela sede dos poderosos. Por pessoas que não têm qualquer amor à terra e nem ao ser humano.

Vossa Fafazinha, aquela menina de Belém do Pará e da Amazônia brasileira, com muita tristeza.

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