Cerca de 600 manifestantes em Lisboa exigem justiça contra violência policial
Movimentos anti-racistas consideram que há “exemplos flagrantes de racismo institucional” na Justiça portuguesa.
Cerca de 600 pessoas iniciaram este sábado uma marcha entre o Estabelecimento Prisional de Lisboa e o Martim Moniz para exigir justiça por todas as vítimas de violência policial. O protesto "E se fosse contigo?" é organizado por vários movimentos anti-racistas que pedem a "revogação da sentença e de reparação da violência infligida pela polícia e pelo sistema judicial a Cláudia Simões".
Os manifestantes seguravam tarjas com as inscrições "A nossa paixão pela liberdade é mais forte que as vossas grades" e "Contra todas a prisões". A manifestação assinala ainda o terceiro aniversário dos óbitos de Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues, que morreram no dia 15 de Setembro de 2021, com minutos de diferença, no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
Os participantes na manifestação denominada "Justiça por Cláudia Simões e Todas as Vítimas da Violência Policial" partiram do Estabelecimento Prisional de Lisboa pelas 17h, uma hora depois do previsto, após uma homenagem a Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues.
O caso de Cláudia Simões remonta a 19 de Janeiro de 2020, numa paragem de autocarro na Amadora, quando a cozinheira se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da empresa Vimeca, pelo facto de a sua filha, à data com 8 anos, se ter esquecido do passe. Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia e, após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu imobilizar Cláudia Simões, no chão, junto à paragem de autocarro, depois de a mulher se recusar a ser identificada.
O caso ganhou mediatismo com a posterior difusão nas redes sociais de vídeos da confusão à saída do autocarro e de imagens dos ferimentos de Cláudia Simões. A sentença do tribunal de Sintra condenou Cláudia Simões por morder o agente da PSP Carlos Canha, enquanto o polícia foi absolvido das acusações de agressão na detenção da cozinheira.
A juíza Catarina Pires aplicou uma pena de oito meses de prisão a Cláudia Simões, suspensa na execução, por um crime de ofensa à integridade física qualificada. Já o polícia Carlos Canha não foi condenado por ter agredido Cláudia Simões, embora o tribunal lhe tenha aplicado uma pena suspensa de três anos por ter agredido outros dois cidadãos, Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que foram levados para a esquadra na sequência do mesmo caso.
Em declarações à agência Lusa, Cláudia Simões disse este sábado que a justiça "não foi séria". "O que eu passei não foi um caso normal, porque toda a gente viu o impacto. Toda a gente viu a minha cara. Uma juíza negar que eu caí não foi muito justa. Eu estou aqui na luta, que ninguém se esqueça de mim. Eu vou ser forte, eu vou lutar até ao fim", realçou. Cláudia Simões referiu que recebe "muitas mensagens de racismo" desde que aconteceu o caso em 2020.
Também a mãe de Danijoy Pontes afirmou que a "justiça portuguesa não trabalha", dizendo que o seu filho foi assassinado na prisão na sequência de "muita pancada" e ingestão de medicamentos. "Quando dizem que Portugal tem a melhor cadeia, a melhor prisão, isso é mentira. É a pior prisão, porque quando uma pessoa é presa é para tomar correcção, para ser uma melhor pessoa, não para sair morta", salientou Alice dos Santos.
À Lusa, Kitty Furtado, do Movimento Negro em Portugal, disse que "estes casos juntos constituem exemplos flagrantes de racismo institucional" e que "está a falhar uma justiça que seja igual para toda a gente, independentemente da raça, da classe social ou da religião".
Participando em solidariedade, a escritora e rapper Telma Tvon alertou que "ainda há muita gente em negação a dizer que Portugal é um país justo". "Nós não estaríamos aqui se fosse [justo], porque também não temos vontade de estar toda hora nas ruas, toda hora a reclamar, por todas as pessoas que temos de chorar. Nós fazemos isto, porque precisamos de o fazer, porque é uma questão de sobrevivência", sublinhou.