Refugiados climáticos: apoiar países vulneráveis é “uma oportunidade” para empresas europeias
A União Europeia deve ajudar países vulneráveis e, assim, conseguir simultaneamente evitar crises de refugiados e ampliar a esfera de influência geopolítica, defendem embaixadores do pacto climático.
A União Europeia deveria criar mecanismos de cooperação com países mais vulneráveis, por forma a promover a adaptação climática nessas regiões e evitar crises de refugiados, defendem os embaixadores do Pacto Climático Europeu. Estas iniciativas poderiam passar, por exemplo, pela mobilização de empresas europeias que possam ajudar na prevenção de cheias, secas e outros fenómenos climáticos extremos que levam ao sofrimento humano e à migração forçada.
“Acreditamos que a União Europeia tem de apoiar ao máximo estes países mais expostos às alterações climáticas, dotando estes países de infra-estruturas e estratégias de adaptação climática. Isto pode ajudar estas populações a enfrentar os riscos actuais e futuros nos seus territórios, sem serem obrigadas a migrar”, explicou ao PÚBLICO Duarte Costa, embaixador do Pacto Climático Europeu e especialista em acção climática.
Duarte Costa é um dos oradores de um painel do Festival Todos dedicado às migrações climáticas, intitulado “Fronteiras Invisíveis: Migrações Traçadas pelo Clima”, agendado para este sábado, dia 14 de Setembro, às 14h30. Moderada pela jornalista Diana Neves, a sessão conta ainda com intervenções de Cecília Delgado, também embaixadora do Pacto Climático Europeu, e Farid Ahmed Patwary, jornalista do Bangladesh radicado em Portugal.
“Convidámos o Farid Patwary porque achámos fundamental explicar às pessoas que existe uma forte ligação entre alterações climáticas e migração. Há fortes consequências socioeconómicas e queríamos, por isso, ter o testemunho de um imigrante que, apesar de não ter sido forçado a migrar, está muito atento aos efeitos dos desastres naturais e é um profundo conhecedor da realidade do Bangladesh, um país muito susceptível às alterações climáticas”, explicou ao PÚBLICO Rita Prates, da associação ambientalista Zero, co-responsável pela organização do painel.
Apoio estratégico à acção climática
O apoio aos países vulneráveis, tanto climática como economicamente, não deve ser visto como uma esmola, segundo Duarte Costa, mas sim como “uma oportunidade” de apoiar nações que, de outro modo, acabarão por estar cada vez mais sob “a influência predadora de potências autocráticas”, como a China ou da Rússia. Dessa forma, argumenta, a própria União Europeia teria interesse em fazer investimentos sustentáveis nesses países, ocupando espaços que hoje ainda estão quase vazios no tabuleiro geoestratégico.
A ideia seria, portanto, que a União Europeia pudesse antecipar os apoios aos países vulneráveis, antes de uma catástrofe climática, por forma a evitar “vagas de imigração acima da capacidade europeia”. Entre os investimentos possíveis na área da economia verde estão, por exemplo, as estruturas de protecção costeira, as tecnologias agrícolas ou ligadas à eficiência energética.
Os fenómenos climáticos extremos como cheias, ciclones e tempestades têm consequências directas na vida das famílias, podendo destruir habitações, zonas de cultivo e outros meios de subsistência. A mudança do clima pode também agir silenciosamente e, ainda assim, ter um impacto forte na vida de uma comunidade: se o nível das águas sobe centímetros, os solos ficarão salinizados e o território disponível vai diminuir. Após várias colheitas más, é possível que os habitantes daquela povoação procurem uma vida melhor noutro lugar.
“Se não houver uma estratégia imediata de coerência entre os valores defendidos pela União Europeia e as práticas relativamente aos países pobres que enfrentam as alterações climáticas, a fome irá provocar uma imigração maciça para países onde a abundância alimentar e a expectativa de um futuro melhor oferece uma segunda oportunidade aos refugiados climáticos”, afirma Cecília Delgado, citada numa nota de imprensa.
Cecília Delgado recorda também que os fenómenos extremos, como as ondas de calor e a escassez hídrica, tendem a aprofundar as assimetrias já existentes nas sociedades.“Neste contexto de crise climática agudizam-se as desigualdades, a pobreza extrema e a insegurança alimentar. Por outro lado, criam-se desequilíbrios nos ecossistemas que exacerbam as disputas por recursos naturais, como a água ou o acesso a terra fértil ou irrigada”, refere a embaixadora, que também é investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova, em Lisboa.
Não sendo possível apoiar todos os países do globo, quais seriam as regiões que deveriam ser privilegiadas? Duarte Costa defende que, considerando o passado colonial europeu, assim como os laços culturais, a África e a América Latina seriam, por exemplo, dois continentes que deveriam merecer especial atenção da UE.
Duarte Costa afirma ainda que é urgente dotar os refugiados climáticos de um reconhecimento no direito internacional, uma vez que as estimativas sugerem que haverá cada vez mais deslocados climáticos. “Este estatuto não existe ainda, infelizmente. Precisamos ainda acautelar isso no plano jurídico”, afirma ao PÚBLICO.
Um relatório do Banco Mundial de 2021 estima que, nos próximos anos, 216 milhões de pessoas sejam forçadas a migrar por razões climáticas. Já a Organização Internacional das Migrações das Nações Unidas calcula que, até ao meio deste século, poderemos ter 200 milhões de refugiados ambientais no planeta.
Em Portugal, o Pacto Climático Europeu é coordenado pela associação ambientalista Zero. Os embaixadores frisam que todos os esforços de adaptação climática devem ser feitos em paralelo com a redução drástica, e urgente, de emissão de gases com efeito de estufa. Se a adaptação, por um lado, ajuda a lidar com as consequências das alterações climáticas, por outro, não combate a origem do problema, que reside sobretudo na queima desenfreada de combustíveis fósseis.
Notícia actualizada a 14/9/2024 às 11h22