Italianos sonham com pérolas trazidas pelo aquecimento do Mediterrâneo

Aquecimento do Mediterrâneo atrai espécies exóticas. Ostras de pérolas invadem costa noroeste de Itália e produtores vêem aqui uma oportunidade de negócio.

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Uma ostra de pérola chamada Pinctada radiata é mostrada junto a um local de cultivo no golfo dos Poetas, em La Spezia, Itália, 29 de agosto de 2024 PAOLO VARRELLA / VIA REUTERS
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Em breve, pela primeira vez, poderão ser cultivadas pérolas nos mares europeus, uma vez que os ostreicultores italianos procuram explorar uma oportunidade inesperada oferecida pelo rápido aquecimento do Mediterrâneo.

No final de 2023, os primeiros exemplares de Pinctada radiata, uma ostra perlífera originária do mar Vermelho vulgarmente conhecida como a ostra perlífera do Atlântico ou a ostra perlífera do Golfo, foram avistados no golfo dos Poetas, uma zona turística popular a cerca de 100 quilómetros de Génova, na costa noroeste de Itália.

Menos de um ano depois, estão a proliferar naquelas que sempre foram algumas das águas mais frias do Mediterrâneo, normalmente associadas a outros tipos de ostras, utilizadas na alimentação mais do que na joalharia.

“Estamos a estudar a possibilidade de produzir pérolas cultivadas aqui”, disse Paolo Varrella, o chefe de uma cooperativa que tem vindo a criar ostras alimentares na área desde 2011.

O grupo já entrou em contacto com ostreicultores de pérolas no México para obter dicas sobre técnicas de produção, disse Varrella.

“A Pinctada radiata tem sido registada em torno da ilha da Sicília desde os anos 70, mas só na última década é que se deslocou para norte”, para os mares mais frios do Tirreno e da Ligúria, que banham a parte ocidental do continente italiano, disse Salvatore Giacobbe, professor de Ecologia na Universidade de Messina.

É a última de uma sucessão de espécies exóticas de águas quentes que entram no Mediterrâneo à medida que este aquece devido às alterações climáticas.

Manuela Falautano, cientista do instituto italiano de investigação e protecção do ambiente ISPRA, afirmou que esta tendência registou “um aumento exponencial” na última década.

Algumas destas espécies são agressivas e perturbam ecossistemas delicados. Em alguns casos, como o peixe-balão e o peixe-escorpião, são também perigosas para os seres humanos.

A extensão de água de 2,5 milhões de quilómetros quadrados que separa o sul da Europa da África e do Médio Oriente está a aquecer mais rapidamente do que a média dos mares do mundo, disse Falautano.

O isco da fortuna

A produção de pérolas, mais associada aos atóis da Polinésia do que ao norte do Mediterrâneo, tem um volume de negócios anual de cerca de 1o mil milhões de euros e os ostreicultores italianos estão ansiosos por ganhar dinheiro com isso.

Adriano Genisi, importador de pérolas há mais de 30 anos, disse que a radiata pode produzir gemas semelhantes às famosas pérolas “Akoya” do Japão, que têm um diâmetro de 5-9 milímetros e uma cor branca com tons de cinzento, rosa e verde.

Se tudo correr bem, as primeiras pérolas poderão ser colhidas dentro de cerca de um ano, afirmou. O aumento da temperatura do Mediterrâneo é também responsável pelo aumento de tempestades violentas, como a que afundou o iate de luxo do empresário tecnológico britânico Mike Lynch ao largo da Sicília no mês passado, matando seis passageiros e o cozinheiro do barco.

Franco Reseghetti, investigador do Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia de Itália, afirmou que as medições efectuadas no Tirreno em Dezembro, a profundidades entre os 300 e os 800 metros, revelaram as temperaturas mais elevadas desde 2013 e que espera um novo aumento este ano.

“A enorme quantidade de energia subjacente a este aquecimento pode funcionar como combustível para fenómenos atmosféricos devastadores”, como a violenta tempestade que parece ter afundado o iate ao largo da Sicília, disse Reseghetti.