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Porchat: “O humor é arma poderosa contra opressão, preconceito e violência”
O humorista Fábio Porchat passará dois meses em Portugal para uma série de show e gravações de programas para a televisão. Ele diz que o humor pode tudo, mas sem ser racista, homofóbico e misógino.
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O humorista Fábio Porchat não esconde o entusiasmo com a turnê do show Histórias do Porchat, que percorrerá 11 cidades de Portugal. “Tenho uma relação muito boa com o público português, sempre fui muito bem-recebido no país”, diz. As apresentações reúnem acontecimentos reais ocorridos durante viagens do artista, como ficar cara a cara com um gorila ou ter uma dor de barriga num avião sem banheiro.
Porchat avisa que a plateia não terá descanso. “Será uma metralhadora, risos a cada 10 segundos. Já medimos isso em outras apresentações”, afirma. Haverá, inclusive, piadas sobre portugueses, diante das confusões linguísticas criadas por ele. O comediante acredita que o humor permite tudo, desde que sem agressões ou humilhações. O humor, inclusive, na visão dele, deve ser usado como uma poderosa arma contra a opressão, o preconceito e a violência.
A agenda de Porchat em Portugal vai além das apresentações do stand-up. Ele gravará a segunda temporada do programa Só Como e Bebo... Por acaso, Trabalho! e uma nova produção, o Guia Porchat, com oito episódios, ambos para a RTP. Nesse novo programa, ele irá a restaurantes para descobrir ingredientes, produtores e chefs, que receberão o selo de qualidade Porchalã.
O artista elogia a leva de comediantes que têm surgido por meio das redes sociais, mas ressalta a importância de que invistam muito da produção de conteúdos para que tenham carreiras sustentáveis, não sejam apenas conhecidos por um meme que viralizou. Para ele, não está complicado fazer humor, mas não há espaço para ataques racistas, homofóbicos e contra mulheres. “Como dizia Chico Anísio, complicado era na ditadura”, frisa. Ele admite que o Brasil, por tantos acontecimentos inacreditáveis, é o país da piada pronta. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Porchat ao PÚBLICO Brasil.
Quanto tempo passará em Portugal com essa nova turnê?
Ficarei em Portugal dois meses. Embarco neste sábado (14/09) e retorno para o Brasil no meio de novembro. Estou superfeliz com essa turnê. Tenho uma relação realmente muito boa com o público português. Primeiro, porque eles me conheceram por meio da Porta dos Fundos, que foi um megassucesso quando estreou no Brasil e também em Portugal, para nossa surpresa. Tanto que, em 2013, já fui fazer show em Portugal numa arena, para oito mil pessoas. Foi uma coisa meio louca. Mantive uma relação muito íntima e próxima com os portugueses. Tem uma coisa curiosa também: quando fui no programa do Jô Soares a primeira vez, as pessoas viram. Eu estava com a camisola (camiseta) de Portugal, e sou Vasco da Gama no Brasil. É muito bom poder fazer shows fora do país e ser tão bem recebido. E muitas pessoas perguntam: você muda as piadas? Não, porque os portugueses acompanham muito a vida no Brasil, eles sabem das referências.
Tem uma referência ou outra, uma bobagem, uma personalidade muito específica brasileira, tipo a Luísa Mel ou a Gracyanne Barbosa, que os portugueses não sabem exatamente quem são. Então, acabo tirando. Mas só coisas muito pontuais. De um modo geral, o show é igual. E o Histórias do Porchat é o stand-up que estreei em Portugal. Foi a estreia mundial do meu show, que se chamava o Novo Stand-up de Fábio Porchat, porque ainda não tinha nem título. O show Histórias do Porchat é 50% diferente, porque cortei algumas coisas, acrescentei outras, coloquei histórias novas ao longo dessa temporada de quase três anos viajando pelo Brasil, por Angola, por Portugal. O show já tomou corpo e está muito testado com as pessoas, dando a certeza de que eu tenho ali muitas risadas.
Você faz piada sobre português para portugueses?
Faço piada e com sotaque de português, sobre coisas que, às vezes, não entendo, confusões da língua que eu já cometi. Começo geralmente o show falando um pouquinho dessas complicaçõezinhas. E eles recebem bem, pois não se está humilhando ninguém, não se está diminuindo, estamos rindo da confusão linguística. Enfim, é um show para todo mundo. Pra gente e para eles.
Como é que é fazer humor hoje?
É complicado? Não. Conversei com o Chico Anísio um dia, ele falou: "Meu filho, complicado era na ditadura". Acho essa uma excelente resposta. Ele tinha que fazer o show para uma pessoa da censura. Hoje em dia, você tem mais cobrança, mais gente nas redes sociais querendo aparecer, querendo ser vista, querendo chamar a atenção. Mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer que há pouco tempo se fazia piadas racistas de forma corriqueira, cotidiana, e era socialmente aceitável. Então, ainda bem que as coisas mudaram, talvez não na velocidade que a gente queira, mas, pelo menos já mudaram bastante. De quando eu era adolescente para hoje, é um outro mundo, as piadas são totalmente outras. Acho que tem exageros, e é evidente que tem gente politicamente correta que acha que não pode nada. Mas, de modo geral, creio que já passou um pouco o desespero do não pode nada.
O mais importante é a gente entender que pode fazer piada com tudo? Pode. Mas pode ser racista? Não. Pode ser homofóbico? Não. Pode humilhar, perpetrar o ódio, a ignorância, o preconceito? Não. Acho que esse é o olhar. No fim das contas, se é engraçado e o público está rindo, dá para rir de todo mundo, dá para rir da cara de todo mundo. Agora, nunca se riu da cara de alguns tipos, não é? Se ria muito da mulher, do nordestino, do português, do argentino, do gordo, do preto, do gay, mas não se ria do homem branco, hétero. Acho que isso começou a mudar. Vejo muitas mulheres fazendo stand-up e brincando com coisas que não brincavam, que não riam. E é ótimo que esteja mudando, que as pessoas possam abrir o escopo para rir de mais coisas ainda.
Nos últimos três anos, houve o crescimento expressivo da extrema-direita em Portugal, dos casos de xenofobia em relação a brasileiros. O humor pode ser uma arma para combater esse movimento de ódio, de intolerância?
O humor é sempre uma arma muito eficaz. Por isso, as pessoas têm tanto medo do humor. Por isso, pessoas tentam, muitas vezes, impedir o humor de acontecer, porque, quando se ridiculariza uma coisa, ela fica exposta ao ridículo, se percebe num lugar de insignificância, o quanto é pequena. E isso dói mais do que simplesmente xingar, atacar e gritar. Na verdade, o humor pode e deve ser usado como uma arma contra a opressão, o preconceito e a violência.
Você acha que esse movimento de extrema-direita pelo mundo veio para ficar? De que forma pode se ter uma reação contra ele?
Não conheço a política portuguesa para poder falar sobre o que está acontecendo em Portugal. Então, prefiro nem falar, porque posso dizer besteira. Não sei exatamente o que está acontecendo no país. Nunca aconteceu nada comigo. Mas é lógico que casos de xenofobia são terríveis. Temos de ficar ligados quando é uma maioria que faz isso, porque a sensação que me dá é de que não é a maioria. Sempre vi os portugueses receberem muito bem as pessoas.
Existe alguma renovação do humor no Brasil? Tem surgido bons comediantes?
Temos visto nas redes sociais muita gente fazendo comédia. Acho que isso democratizou. As pessoas não precisam mais de uma emissora de televisão para poder mostrar o seu trabalho, têm a própria emissora na mão. Portanto, tem muita gente fazendo piada, comédia, rindo, brincando, satirizando, tem de tudo. No meio artístico, que eu conheço, creio que, de uma forma geral, aparecer é até tranquilo. O negócio é se manter, se sustentar. Você pode viralizar com um meme que tenha um bilhão de visualizações, mas qual é o próximo passo? Existe repertório para continuar? Existe um pensamento, um trabalho por trás daquilo? Algumas pessoas têm, a maioria não, assim como qualquer profissão, na medicina, na publicidade, no jornalismo. De um modo geral, a maioria não tem muito estofo. É preciso trabalhar, se dedicar. Eu gosto muito do Pedro Ottoni, um cara muito engraçado. Gosto da Nathália Cruz, ela é excelente. Os dois também escrevem, criam, o que é uma nova característica do comediante hoje no Brasil, no mundo. Gosto muito também da Lara Santana, que faz no Instagram o Cadu. De modo geral, com as redes sociais, é preciso criar o próprio conteúdo. No stand-up, também. Tem sempre pessoas boas e novas aparecendo.
Tem espaço para todo mundo?
Tem espaço para todo mundo. Acho que, no fim das contas, é isso. Mas qual é o próximo passo? Essa é uma preocupação que a pessoa que está surgindo tem que ter. Se ela escreve, se ela atua simplesmente, se ela se junta com outras pessoas para criar. À primeira vista, há alguns nomes engraçados aparecendo.
Sobre o show que você para Portugal, Histórias de Porchat são histórias suas, do seu cotidiano ou que aparecem no seu programa?
São histórias minhas, que vivi nas minhas viagens. Peguei as histórias malucas que iam acontecendo comigo em viagens pelo Brasil e pelo mundo e percebi, quando comecei a juntá-las, que havia um fio condutor. Comecei a escrevê-las como stand-up, porque, tudo que está no show, eu escrevi. Eu gosto de escrever, de botar as palavras ali, leio em voz alta e vou alterando. As minhas viagens, frente a frente com um gorila em Ruanda. No Quênia, um hipopótamo parou na minha frente, todo mundo correu e eu fiquei ali, parado. Uma dor de barriga que tive num avião no Nepal, que não tinha banheiro. São situações de viagem malucas, com as quais muitas pessoas se identificam, outras só dão risadas pelo fato de eu estar me dando mal.
Estar ligado a histórias cômicas é algo que lhe persegue ou você acaba por ter um olhar cômico sobre as coisas que te acontecem?
Tenho um olhar cômico sobre as coisas que me acontecem. Claro que estou sempre aberto às situações. Quando viajo, já sei onde quero ir, já sei o que tenho que fazer, mas também deixo espaço para o improviso, para o acaso, porque é sempre gostoso na viagem quando você encontra uma situação que não estava contando com ela. Faz toda a diferença para criar histórias, experiências. Não para as coisas darem errado, mas darem certo e virarem boas lembranças e tal. Quando as coisas acabam dando errado, tenho um olhar cômico sobre elas, uma observação, mesmo que eu esteja bravo na hora, com raiva, sei que aquilo tem potencial para virar uma história. Hoje em dia, já nem fico mais bravo quando alguma coisa dá errado.
O Brasil é o país da piada pronta?
Creio que o brasileiro é um povo muito bem-humorado, que sabe rir de todas as situações. Agora, está aprendendo a rir mais de si. O brasileiro sempre ria muito do outro, tirava muito sarro da cara do outro. Agora, realmente, as coisas que acontecem no Brasil são inacreditáveis. Mas acho que é porque moro aqui. Se eu morasse na Noruega, talvez dissesse que a Noruega é o país da piada pronta também.
Nos dois meses que você vai passar em Portugal, além dos shows, terá mais o quê?
Vou gravar dois programas em Portugal: a segunda temporada do programa Só Como e Bebo... Por acaso, Trabalho!, da RTP, pois a primeira temporada deu supercerto, tanto que aumentamos o número de episódios, agora, serão 12. Gravo no final de outubro e em novembro. Antes disso, gravo um programa novo chamado Guia Porchat, de oito episódios, também para a RTP, em que viajo por Portugal, indo a restaurantes e descobrindo que ingredientes usam, indo atrás dos produtores, atrás de chefs e entendendo como funciona, da onde vem os produtos que aquele chef estrela Michelin está usando. Na verdade, darei o meu selo de qualidade, o Porchalã.
E cinema, dá para esperar alguma coisa?
Sim, ano que vem. Estou escrevendo um filme que vai ser rodado no Brasil. Provavelmente, em 2026, devemos lançar um filme com direção do Pedro Antônio, o mesmo que dirigiu Evidências do Amor, que eu fiz com a Sandy e foi tão bacana. Ele está agora disponível no Max.
O que os portugueses que forem ao seu show podem esperar?
Essa é uma pergunta curiosa, porque já fiz shows em Portugal ano passado, fiz em 2022, e sempre com uma recepção muito boa, muita risada, é uma metralhadora mesmo, é uma piada a cada 10 segundos. A gente fez essa cronometragem. O português acompanha muito o entretenimento brasileiro. As piadas funcionam. Fiz um show em Angola, e funciona. Fiz para brasileiros fora do Brasil, e também funciona. As pessoas podem ficar tranquilas, que vão dar risada. Pode levar a família toda, porque, realmente, vejo, pelos shows que já fiz, que adolescente, adulto, idoso, todo mundo dá risada.