O que está por regulamentar na Lei da Eutanásia?

Governo tem de definir modelo dos dois documentos que registarão todos os passos de cada processo clínico.

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Morte medicamente assistida foi aprovada cinco vezes no Parlamento - pelo meio teve dois vetos por inconstitucionalidade e dois vetos políticosa MIGUEL A. LOPES / LUSA
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Tinha um prazo de regulamentação de 90 dias, passaram 400. E o número pode aumentar muito: o Governo já reiterou que vai esperar pela decisão do Tribunal Constitucional (TC) para regulamentar a lei da eutanásia, isto num quadro em que os pedidos de fiscalização sucessiva ao TC não costumam ter resposta antes de (pelo menos) um ano.

O que aponta — na melhor das hipóteses — para o final de 2024. O primeiro dos dois pedidos de inconstitucionalidade que estão no TC deu entrada em Novembro, com a assinatura de 56 deputados do PSD. O segundo, apresentado pela Provedora de Justiça, entrou no Palácio Ratton em Março deste ano.

Mas o que está por regulamentar na lei da eutanásia? Duas tarefas precisas: definir o modelo do Registo Clínico Especial (RCE) e o formulário do Relatório Final.

O RCE é o documento em que, obrigatoriamente, terão de ser registados todos os passos do processo clínico de cada doente. E são muitos, do pedido de abertura do processo (pelo doente) ao parecer inicial de um médico orientador sobre se estão cumpridos os requisitos exigidos pela lei, e a posterior declaração do paciente a reiterar a sua vontade. No RCE ficam também inscritos o segundo parecer — de um médico especialista — e novo assentimento do doente, bem como um terceiro parecer do médico especialista em psiquiatria, nos casos em que seja exigível.

O RCE seguirá depois para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida (CVA), entidade por formar, que ficará responsável por avaliar, em cada caso, se foram cumpridos todos os requisitos exigidos. Se assim for, o doente tem novamente de afirmar a sua vontade de prosseguir, após o que o processo avança para a concretização. Nesta fase, também todos os passos e decisões — método aplicado, local, testemunhas presentes — têm de ficar inscritos no RCE.

O documento é depois entregue à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) — que pode acompanhar presencialmente a concretização da decisão do doente. E, terminado o processo, tem de ser enviado novamente à CVA, integrando o relatório final.

Este Relatório Final é o outro documento cujo modelo tem de ser definido pelo Governo na fase de regulamentação e é novamente uma descrição detalhada de todo processo, assinada pelo médico que acompanhou o doente.

Se a regulamentação passa por definir o modelo de dois documentos, porquê o atraso num processo legislativo que deveria já estar concluído há mais de um ano? Ao PÚBLICO, fonte do gabinete do anterior ministério da Saúde, então liderado pelo socialista Manuel Pizarro, sustenta que este é um processo complexo e argumenta com a demissão de António Costa, a 7 de Novembro, para sustentar que depois dessa data deixou de haver condições políticas para avançar numa questão que é necessariamente polémica. A mesma fonte questiona, aliás, que a definição do modelo destes dois documentos tenha ficado remetida para regulamentação — ou seja, para uma decisão política — quando se trata de um documento que é, sobretudo, de natureza “técnica”.

Comissão em risco

Outro passo que promete não ser fácil no caminho que ainda falta para a concretização efectiva da morte medicamente assistida será a constituição da Comissão de Verificação e Avaliação. De acordo com a lei, integrarão a CVA um jurista designado pelo Conselho Superior da Magistratura e outro pelo Conselho Superior do Ministério Público, um médico designado pela Ordem dos Médicos e um enfermeiro designado pela Ordem, bem como um especialista em bioética. Mas quer o anterior, quer o actual bastonário da Ordem dos Médicos — que é contrária à morte medicamente assistida — disseram publicamente que não nomeariam um médico para esta comissão. “A posição do bastonário é de não nomear ninguém para a comissão”, disse Carlos Cortes em 2023.

Ultrapassados estes obstáculos, será então necessário criar as condições para que o Serviço Nacional de Saúde possa aplicar a lei, sendo expectável, até pela posição contrária das duas ordens, que muitos médicos e enfermeiros invoquem objecção de consciência à prática da morte medicamente assistida.

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