Na Quinta de São José do Barrilário cabem (quase) todas as fotografias do Douro

Em Armamar, entre socalcos e a espreitar o rio Douro, nasceu o novo hotel de cinco estrelas da região. É “irmão” da Quinta da Pacheca e é o resultado do seu sucesso — e falta de vistas.

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Quinta de São José do Barrilário Nelson Garrido
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Saímos do carro (e da protecção do ar condicionado) a meio da tarde e somos envolvidos por um abraço de calor. Não esperávamos menos do vale do Douro em Agosto e nem precisávamos de estar no “Brasil de Armamar”, comenta alguém, chamado assim por ser o ponto mais quente do concelho. Não saberemos se o é de facto — vemos Armamar empoleirado num monte, ali está Vacalar, apontam-nos. Nós também estamos empoleirados, mas numa colina mais baixa: à nossa volta, há socalcos de vinhedos que se multiplicam na sua geometria desafiante, e há uma janela para o rio. É por eles e por ela que estamos aqui na Quinta São José do Barrilário, recém Douro Wine Hotel & Spa, o mais recente cinco estrelas da região, que chega com pergaminhos.

E não nos referimos àqueles que são concedidos pela longa história da propriedade — primeira menção em 1747 e marco de pertença à primeira região de vinho demarcada do mundo de 1761. Falamos dos pergaminhos que advêm de ser uma espécie de irmã mais nova da Quinta da Pacheca, que até foi uma das pioneiras do enoturismo na região. A Quinta São José de Barrilário Douro Wine Hotel & Spa é resultado directo do (extremo) sucesso da Quinta da Pacheca, por um lado, e da sua falta de vistas, pelo outro. Explicamos.

“Já não tínhamos capacidade de realizar eventos na Quinta da Pacheca, temos clientes que reservam com dois anos de antecedência”, revela Álvaro Lopes, um dos sócios do Terras & Terroir, o grupo proprietário. “E como fazemos tantos eventos, este Verão muitos casamentos, muitas vezes temos que procurar hotéis vizinhos para os nossos clientes”, completa Maria do Céu Gonçalves, outra sócia. “Faltavam-nos quartos”, concluem. E faltavam também as vistas sobre o rio. “A vista rio, no Douro, conta muito para os clientes”, aponta Maria do Céu Gonçalves, “porque a foto é sempre o rio, a paisagem. Nós não tínhamos essa foto”.

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Tranquilidade histórica

A 11 quilómetros da Quinta da Pacheca, na Quinta de São José do Barrilário, o grupo tem, desde o início de Agosto, mais 31 quartos — num “hotel mais exclusivo”, avaliam, que pode ser reservado por inteiro e que oferece a “tranquilidade” que os clientes buscam no Douro. E tem, abundantes, essas fotos do rio e da paisagem típica duriense, ainda que o rio seja um intervalo nos socalcos, dominadores.

Na verdade, neste hotel a paisagem é uma inevitabilidade — desde a sua concepção em socalcos até à ligação íntima que mantém com exterior, onde se prolonga (quase) sempre em varandas ou terraços. É do maior “terraço”, aquele que encima o hotel, que se tem a vista mais completa — é de 360 graus, acompanhando uma piscina infinita (estreita e comprida, diríamos que é mais de contemplação do que de acção), um solário com espreguiçadeiras olhando directamente para o rio (mesmo com lotação máxima, há um silêncio quase devocional), um bar (onde os cocktails de Porto são muito recomendáveis) e uma esplanada.

É daqui que adivinhamos a ribeira de Temilobos (e lhe seguimos os passos até à foz para o encontro com o Douro sob a famosa N222), que constitui o limite natural de parte desta quinta, que deve o seu nome a uma lenda que até “termina” nesta. Diz, então, a lenda que um trabalhador da propriedade ao lavar um barril caiu dentro dele, indo a rolar até à ribeira. “Quando o homem se levanta, mete as mãos na cabeça e só diz ‘ai, meu São José, ai, meu São José, ai, meu São José, que enquanto vinha por aqui abaixo só pensei em ti’”, conta o director de enoturismo do grupo, Bernardo Mesquita, “e a partir daí isto passou a ser conhecido como o sítio do São José do Barrilário”.

Com direito a capela e tudo, ligada à casa principal na tribuna, o conjunto foi preservado — a casa, que será o espaço para eventos do hotel, mantém a pedra e os bancos de namorados e recebeu uma varanda; a capela foi restaurada respeitando o original —, as pinturas estão brilhantes, o retábulo, o altar e a tribuna recuperados, até o confessionário se manteve: faltam apenas os santos nos nichos. “É o elemento histórico de maior destaque”, aponta Bernardo Mesquita — e a sua iconografia ganhou novas funções: o relevo de um cálice com três pregos que representam a crucificação de Cristo saltou da capela para símbolo da quinta; os losangos da sua decoração inspiraram os rótulos dos vinhos da propriedade (que serão apresentados em breve).

Afinal, a viticultura está no ADN da quinta e foi por esta que o Terras & Terroir começou quando aqui chegou, em 2017. Recuperaram-se vinhas antigas, plantaram-se vinhas novas; recuperaram-se oliveiras (sempre em bordadura) e está-se à espera de novas (mas antigas) para se plantarem. Entretanto, até se instalaram colmeias, 12, que em breve se vão duplicar e tornar-se transparentes: uma parte será em acrílico para que se possam incorporar nas experiências oferecidas aos hóspedes, que já incluem, por exemplo, piqueniques ou passeios de bicicleta (eléctrica), workshops de cocktails ou, claro, provas de vinhos, e terão programas de vindimas e de apanha da azeitona. Porque, entretanto, o Terras & Terroir, que até queria um projecto de enoturismo diferente (da Quinta da Pacheca), percebeu que tinha aqui o local certo. “Em altitude, com vistas e capacidade construtiva”, resumem.

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As raízes da região

As antigas dependências agrícolas, em ruínas, foram substituídas por um novo edifício: granito, madeira, vidro e ferro compõem o esqueleto do hotel e contagiam-lhe a pele. A madeira abunda, o granito e o ferro vão pontuando os diferentes espaços, que fluem na vertical e criam uma atmosfera contemporânea e discreta, como que em harmonia com a paisagem que a inunda. Os 31 quartos (quatro suítes incluídas) dispõem-se em dois andares e dividem-se pela paisagem que prevalece: os Vineyard Superior, onde os vinhedos são a companhia mais constante, e os River Premium, onde o rio se vê mais descarado. Todos têm varandas e a nossa, confessamos, é o nosso Norte durante a estada.

Mas voltemo-nos para dentro, para o início, com vinho do Porto a receber-nos à chegada — um tronco de videira feito quadro reforça ao que vimos: estamos num wine hotel. Vai haver outras lembranças, mais ou menos subtis: do vinho que nos espera no quarto às formas mais ou menos estilizadas de barris com que nos vamos cruzando. E, não esquecer, o spa, Terroir Vineyard de nome e de algumas práticas (nomeadamente nos tratamentos, onde a Vinoble Cosmetics é uma das três marcas usadas) ou o restaurante.

Chama-se Panorâmico (as vistas, sempre) e é aqui que os vinhos se deixam desfrutar mais, todos os que fazem parte do portefólio da Terras & Terroir, que vai do Douro ao Alentejo, passa pelo Dão e Bairrada. Ao jantar, não saímos do Douro: a entrada e a saída fazem-se sob os auspícios da Quinta da Pacheca (um Colheita Tardia e um Porto Tawny 30 anos, respectivamente); pelo meio, as primeiras provas dos Quinta do Barrilário, com um Reserva Branco e um Reserva Tinto.

Uma cozinha que busca “as raízes da região”, é como o chef, Luís Guedes, caracteriza o seu trabalho aqui (ele conhece-as bem, sendo de Tarouca). E nada mais representativo do que o cabrito de Armamar (assado, com batata, arroz de forno e legumes), o terceiro momento do nosso jantar (e parte das “Recordações” do menu) — ou, de um modo simbólico, a sobremesa, com a sua falsa (mas tão realista à vista) maçã (Armamar reivindica ser “capital da maçã de montanha”): “maçã” em texturas, baunilha, canela e wasabi, crumble de chocolate, sponge cake e gel de vinagre de maçã.

A ideia é “proporcionar uma experiência contemporânea” aproveitando tudo o que a terra daqui dá, “sem produção em série”, salvaguarda o chef. Assim, temos manteigas de urtiga e de maçã (com flor de sal), o foie gras vem com figo pingo de mel e rebentos frescos e o rodovalho e trufa a baixa temperatura fazem-se acompanhar de puré de cenoura fumado e legumes branqueados (o molho é de espumante).

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De manhã, a mesma mesa para o pequeno-almoço — buffet abundante, ovos à carta e olhos na paisagem. Não nos cansamos dela — nem do silêncio que, lembrara Maria do Céu, “se diz que é de ouro aqui no Douro”.

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