Governo aguarda pelo Tribunal Constitucional para avançar com regulamentação da eutanásia
O Governo não vai regulamentar o diploma da eutanásia até que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre os pedidos de fiscalização sucessiva. Só aí decidirá se regulamenta ou não a lei.
À pressão do manifesto assinado por 250 personalidades para acelerar a regulamentação da lei da morte medicamente assistida, o Governo responde com a "complexidade" do processo e lembra que estão pendentes dois pedidos de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade do diploma e que, por isso, até haver um veredicto o executivo não avançará com regulamentação.
Em resposta ao PÚBLICO sobre este tema, fonte oficial da Presidência do Conselho de Ministros ressalva que "não comenta especificadamente o respectivo conteúdo e reconhece que se trata de matéria que é extraordinariamente complexa". Mas justifica o compasso de espera em relação à regulamentação da lei promulgada pelo Presidente da República há mais de um ano, em Maio de 2023.
Para o Governo, os dois pedidos, um da autoria de um conjunto de deputados, e outro da Provedora de Justiça, "colocam seríssimas dúvidas de constitucionalidade e sobre o sentido de vários conceitos legais, pelo que os respectivos processos poderão permitir que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre essas dúvidas de constitucionalidade, bem como sobre a interpretação conforme à constituição de vários dos conceitos jurídicos e operativos, cuja elucidação é indispensável para qualquer acção subsequente".
Ou seja, só depois de o Tribunal Constitucional se pronunciar é que o Governo decide se avança ou não com a regulamentação.
"Dado que os processos de apreciação pelo Tribunal Constitucional decorrem há um tempo que permite esperar uma decisão judicial, e em linha com os compromissos públicos afirmados no período pré-eleitoral pelos partidos que apoiam o actual Governo, este aguarda atentamente as conclusões do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade e a interpretação dos conceitos fundamentais da lei sobre a morte medicamente assistida", explica o executivo.
Nas palavras do Governo, há uma "enorme complexidade em aspectos jurídico-constitucionais, deontológicos, técnicos e operacionais" no processo de regulamentação, que o anterior Governo não iniciou.
"Apesar de ter sido sob a sua égide política que se desenrolou a iniciativa e processo legislativo, o Governo anterior não entregou ao actual qualquer documento preparatório dessa regulamentação, ainda que tenha exercido funções durante cerca de dez meses após a publicação do diploma", lê-se na mesma resposta enviada ao PÚBLICO.
Ainda antes das eleições, Luís Montenegro já tinha dito que iria "aguardar a pronúncia do Tribunal Constitucional" sobre esta questão. Porém, numa resposta do Ministério da Saúde ao PS sobre a regulamentação do diploma, foi noticiado que estaria "actualmente em fase de elaboração". A informação seria abordada pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, no final do Conselho de Ministros de 21 de Agosto. Leitão Amaro garantiu que "o Governo não legislou, não tem em circuito legislativo nenhuma iniciativa relativamente à morte medicamente assistida”.
A declaração de Leitão Amaro levantou questões sobre se estaria a desmentir o Ministério da Saúde, mas o ministro da Presidência garantiu que as afirmações não era contraditórias e que "não existe nem no sistema informático do processo legislativo do Governo" nem "na reunião de secretários de Estado" ou "na reunião do Conselho de Ministros nenhum diploma nem projecto de diploma sobre a morte medicamente assistida".
Em Novembro de 2023, o então ministro da Saúde, Manuel Pizarro, anunciava que, por causa da dissolução da Assembleia da República, não seria o Governo do PS a regulamentar a lei da eutanásia, garantindo que essa questão seria incluída no dossier de transição para o executivo seguinte – mas a Presidência de Conselho de Ministros do Governo da Aliança Democrática insiste que não recebeu qualquer processo.
Prazo era de três meses
A lei da eutanásia foi promulgada pelo Presidente da República em Maio, como obriga a Constituição, dias depois de o Parlamento ter confirmado o diploma que tinha sido vetado por Marcelo Rebelo de Sousa em finais de Abril de 2023. Trata-se da primeira lei portuguesa sobre esta matéria, que estabelece que "a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente".
Para os mais de 250 signatários que assinam a carta aberta, os mais de 400 dias face a um prazo de regulamentação máxima de três meses são “jurídica e politicamente” inaceitáveis.
A discussão da regulamentação da despenalização da morte medicamente assistida por este executivo está a gerar desconforto no CDS. O partido lembra que "o tema da eutanásia não está regulado no acordo de coligação firmado entre o PSD e o CDS" nem foi incluído no programa eleitoral às eleições legislativas de Março "porque a Aliança Democrática aguarda a decisão do Tribunal Constitucional sobre dois pedidos de fiscalização sucessiva, um apresentado por um grupo de deputados do PSD, outro apresentado pela senhora provedora de Justiça, a requerimento do CDS".