Durante muitos anos, os ursos polares foram os porta-estandartes das alterações climáticas. Falava-se no aquecimento global e a história era inevitavelmente ilustrada por um urso branco esfomeado, numa minúscula plataforma de gelo a derreter-se. Mas hoje em dia, argumenta uma equipa de cientistas australianos, os grandes incêndios florestais arrebataram essa distinção de simbolizar os riscos do aquecimento global. 

Calum Cunningham, David Bowman e Grant Williamson, da Universidade da Tasmânia (Austrália) analisaram 88 milhões de observações dos satélites MODIS da agência espacial norte-americana NASA das últimas duas décadas. Concluíram que a frequência e a magnitude de grandes incêndios florestais duplicaram entre 2003 e 2023, escreveu Andréia Azevedo Soares em Junho, quando a equipa publicou o seu trabalho, na revista Nature Ecology & Evolution. 

Portugal tem a sua quota de martírio por causa dos incêndios, com o mais grave este Verão a acontecer na Madeira, consumindo a preciosa floresta Laurissilva. Mas o que está a acontecer neste momento no Brasil e na costa Oeste dos Estados Unidos faz-nos facilmente pensar nesta ideia de que as florestas em chamas são a nova palavra passe para falar de aquecimento global.

Estão a crescer os incêndios considerados "extremos", de alta intensidade, que atingem elevadíssimas temperaturas, e duram por vezes meses – como os incêndios nas florestas canadianas ou da Sibéria.

Estamos a assistir aos chamados "mega-incêndios", fenómenos, que têm uma definição ainda instável: as autoridades norte-americanas aplicam a classificação a incêndios com uma extensão superior a 40.500 hectares. Mas outros especialistas preferem usar a expressão para falar de incêndios florestais com um impacto invulgarmente elevado, nas pessoas e no ambiente, indo além da área consumida.

Nos Estados Unidos, Los Angeles está em situação de alerta por causa do fogo e, segundo os dados do National Interagency Fire Center, até esta quinta-feira, arderam já este ano 2,9 milhões de hectares – uma área onde caberia 3,6 vezes a cidade de Nova Iorque). Está já bem acima dos 2,2 milhões de hectares que têm ardido, em média, todos os anos, entre 2014 e 2023. A parte de leão de área ardida é na Califórnia e Oregon, estados do Oeste.

Na verdade, como notaram os cientistas da Universidade da Tasmânia, os últimos sete anos foram os mais dramáticos em termos de incêndios a nível global, e coincidem com os anos de maior aquecimento global. Se em 2023 a temperatura média do planeta esteve 1,48 graus Celsius acima da média estimada para antes da Revolução Industrial, aquele foi também o pior ano de incêndios florestais a nível global.

Também no Brasil, as últimas semanas têm sido dramáticas, com os incêndios da Amazónia, Cerrado e Pantanal a espalharem um manto de fumo negro por todo o país, transportando as cinzas da vegetação ardida para Sul, para que ninguém possa dizer que não sabe o que se passa.

Só de 10 para 11 de Setembro, houve 5132 novos focos de incêndio no Brasil – 75,9% de todos os incêndios na América do Sul naquelas 24 horas, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, citado pela Agência Brasil. No Cerrado, há ainda mais incêndios activos do que na Amazónia, testemunhando a degradação deste bioma.

De Janeiro a Agosto de 2024, os incêndios no Brasil já atingiram 11,39 milhões de hectares do território, segundo dados do Monitor do Fogo Mapbiomas , citados também pela agência. Desses, 5,65 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo só em Agosto, o que equivale a 49% do total deste ano. No Pantanal, até Agosto, arderam 1,22 milhão de hectares, o que representa um crescimento de 249% nas áreas alcançadas por incêndios, em comparação com a média dos cinco anos anteriores. 

No entanto, se os sinais de alerta das alterações climáticas são agora pintados com as cores de fogo dos incêndios florestais, o que os cientistas dizem é que não se deve atribuir a elas toda a responsabilidade desta nova versão do Inferno e esquecer o que há de humano nestas catástrofes.

"Não há grandes dúvidas de que as alterações climáticas estão a contribuir para a maior parte do aumento global de incêndios extremos", escreveram Cunningham, Bowman e Williamson, no site de divulgação científica The Conversation.  O ar está a ficar mais seco – como acontece no Brasil, que vive uma seca dramática – e a vegetação fica também mais seca e mais combustível, logo arde mais intensamente. E durante mais tempo.

"Mas a forma como gerimos os ecossistemas também desempenha um papel importante no aumento dos incêndios", afirmam os cientistas.

florestas que estão a emitir carbono, em vez de o retirarem da atmosfera, como seria normal – e isso tem a ver com os grandes incêndios. Acontece em algumas zonas da Amazónia, e acontece na Europa e em Portugal também, coincidindo com anos de grandes incêndios.
A monocultura do eucalipto, o sistema de propriedade da terra (esmagadoramente propriedade de privados) e o abandono dos campos potenciam os problemas portugueses, onde a gestão florestal é incipiente.

Cada local tem os seus problemas. Por exemplo, nos Estados Unidos, estima-se que as autoridades consigam extinguir 98% das ignições. O que parece bom, certo? Nem por isso. "Paradoxalmente, tentar suprimir todos os incêndios predispõe as florestas a arder nas piores condições", dizem os cientistas australianos.

Adaptar a gestão do fogo a um planeta em mudança é imprescindível "para vivermos de forma sustentável num clima a aquecer", recomenda, Cumnningham, Bowman e Williamson.

"O novo clima em que estamos a entrar exige uma mente aberta e que se testem todas as ferramentas", dizem. Não há uma solução milagrosa que funcione em todo o lado: a resposta certa depende do contexto ecológico de cada local.

Saberemos encontrar essa resposta e proteger as florestas? Os ursos polares continuam ameaçados pelo degelo do Árctico. Se as florestas continuarem a desfazer-se em fumo e a lançar carbono para a atmosfera, aumentando o efeito de estufa, as perspectivas de vida não são boas. Nem para os ursos nem para os humanos.