Neandertais não se misturaram e isso pode ter causado a sua extinção

Linhagem de Thorin, um espécime de neandertal encontrado em 2015 em França, passou 50 mil anos “sem qualquer intercâmbio genético com os neandertais europeus clássicos”.

Foto
A dentição de Thorin, um espécime de neandertal encontrado em 2015 em França Xavier Muth/Universidade de Copenhaga
Ouça este artigo
00:00
03:42

As causas da extinção do neandertal permanecem um mistério, mas um estudo de um exemplar do vale do Ródano (Sul de França), cuja linhagem esteve 50 mil anos sem trocar genes com outros grupos, abre um novo caminho, apontando para o seu isolamento genético.

Os neandertais povoaram a Eurásia até cerca de 40.000 a.C., coabitando com o nosso antepassado Homo sapiens, antes de desaparecerem.

"Este é o último momento em que existiram várias humanidades na Terra, um momento estratégico e profundamente enigmático porque não entendemos como é que uma humanidade inteira, que existiu desde Espanha até à Sibéria, pôde subitamente extinguir-se", destacou à agência France-Presse (AFP) Ludovic Slimak, investigador do Centro Nacional de Investigação Científica de França (CNRS) e da Universidade Paul Sabatier, em Toulouse, co-autor deste estudo publicado na quarta-feira na revista Cell Genomics.

O espécime, denominado "Thorin" – uma homenagem à personagem da obra O Hobbit, de J. R. R. Tolkien – foi encontrado em 2015 na gruta de Mandrin (na região de Drôme), em França, que albergava alternadamente populações de neandertais e Homo sapiens.

A descoberta é rara. Este é o primeiro neandertal descoberto em França desde 1978. Em toda a Eurásia, existem apenas cerca de quarenta.

"Assim que o corpo foi desenterrado, enviei um pequeno fragmento de osso, um pedaço de molar, para Copenhaga [Dinamarca], para as equipas com quem trabalhamos em genética. Há dez anos que tentámos obter ADN em Mandrin, seja animal ou humano, e nunca tivemos sucesso porque, assim que retiramos os ossos do solo, o ADN degrada-se muito rapidamente", explicou Slimak.

Quando os resultados foram conhecidos, criou-se dúvida entre os cientistas. Segundo as análises arqueológicas, "este corpo tinha entre 40 mil e 45 mil anos, mas para os geneticistas tinha 105.000 anos". "Houve inevitavelmente uma das duas equipas que falhou", frisou.

Foram necessários sete anos de investigação para chegar a uma conclusão. As análises isotópicas demonstraram que Thorin viveu num clima muito frio, correspondendo à era glaciar em que apenas os neandertais tardios viveram.

Mas o seu genoma é realmente muito antigo. "Este é um remanescente das primeiras populações de neandertais na Europa", sublinhou o geneticista populacional e autor principal Martin Sikora, da Universidade de Copenhaga, num comunicado que acompanha o estudo.

"A linhagem que leva a Thorin ter-se-á separado da de outros neandertais tardios há cerca de 105 mil anos", apontou Sikora.

Depois, esta linhagem passou 50 mil anos "sem qualquer intercâmbio genético com os neandertais europeus clássicos", incluindo com populações que viviam a apenas duas semanas de caminhada de distância, explicou Slimak.

Um isolamento inimaginável entre o seu primo Homo sapiens, tanto mais que o vale do Ródano era, na altura, um dos principais corredores migratórios entre o Norte da Europa e o Mediterrâneo.

"A arqueologia já nos diz há muito tempo que as populações de neandertais viviam em territórios muito pequenos, a algumas dezenas de quilómetros de um determinado local", recordou o arqueólogo, lembrando os problemas de consanguinidade conhecidos e considerando os elementos do recente estudo "uma chave importante para a compreensão" da extinção dos neandertais.

No Homo sapiens, "teremos círculos infinitamente mais amplos, territórios que abrangem dezenas de milhares de quilómetros quadrados, a difusão de objectos, de conchas, a sociabilidade e a construção de redes sociais extremamente estruturadas", vincou.

"Quando se está isolado durante muito tempo, limita-se a variação genética que se tem, o que significa que se tem menos capacidade de adaptação às alterações climáticas e aos agentes patogénicos e também se limita socialmente, porque não se partilha e não se evolui como população", referiu Tharsika Vimala, geneticista populacional da Universidade de Copenhaga e co-autora do estudo.