David comprou a casa de sonho por 360 mil euros. Pode ser engolida pelo mar em menos de dez anos
Um norte-americano comprou uma casa construída numa zona onde o mar está a avançar quase um metro por ano. Mas não está preocupado: “A vida é muito curta, vamos ver o que acontece.”
A nova casa de David Moot tem um telhado cinzento, paredes de pedra e um terraço construído nas traseiras com vista desafogada para o oceano Atlântico. Desde 2004 que o norte-americano, à época com 39 anos, tinha o sonho de comprar uma casa onde pudesse usufruir das praias paradisíacas do cabo Cod, na costa do estado norte-americano de Massachusetts. Cumpriu-o duas décadas mais tarde, em Dezembro do ano passado, por 395 mil dólares, o equivalente a 358 mil euros. Mas a casa de sonho está a poucos metros de ser varrida pelo oceano devido à subida do nível da água do mar — só que David Moot não se importa.
“A vida é muito curta e eu disse a mim mesmo: ‘Vamos ver o que acontece’”, descreveu o proprietário, agora com 59 anos, numa entrevista ao Boston Globe: “Acabará por cair no oceano e pode ou não acontecer enquanto estou vivo.”
As estimativas indicam que bastarão cerca oito anos para que o sonho de David Moot seja engolido pelo mar: a casa que comprou fica a pouco mais de 7,6 metros da praia, mas nesta zona o Atlântico está a avançar a uma velocidade de 0,90 metros por ano — um ritmo de erosão costeira que até fica acima da média de cerca de 0,60 metros registada ao longo da costa Leste dos Estados Unidos.
As contas são de Stephen Leatherman, um investigador da Universidade Internacional da Florida que estuda a costa americana e até já viveu no cabo Cod. Na costa leste, nove em cada dez praias têm estado a ser engolidas pelo mar por causa das alterações climáticas. E a zona onde David Moot comprou a casa é mesmo uma daquelas onde essa erosão tem sido mais acelerada, alertou o académico. “Esta casa pode parecer boa agora, porque a praia é larga, mas esperem até a praia se estreitar e as ondas atingirem a beira daquele penhasco logo abaixo da casa”, avisou Stephen Leatherman em declarações ao The Guardian.
Para o investigador, o facto de a casa ter sido comprada — ainda que por um valor muito abaixo dos quase 1,2 milhões de dólares (menos de 1,1 milhões de euros) por que estava à venda — é produto de um “problema de percepção, em termos de as pessoas compreenderem este problema de erosão”, criticou. Mas David Moot, que de momento ainda vive em Pittsburgh, na Pensilvânia, e é designer de interiores, disse ter contactado especialistas, estudado a taxa de erosão na zona e criado formas de abrandar o avanço do mar. Pode vir a plantar erva na praia para manter a areia, a fazer recuar a zona da casa que está mais exposta ao oceano ou a instalar estruturas de conchas, moluscos, vegetais, areia e pedra para estabilizar o terreno.
Só que isso pode não comprar muito tempo a David Moot. Segundo Karen Strauss, comissária pela conservação da natureza em Eastham (perto do cabo Cod), muitas das soluções para estabilizar a costa em zonas afectadas pela erosão podem ser limitadas, temporárias e pouco eficazes. E as dificuldades só têm vindo a aumentar: “Com a subida do nível do mar e o aumento da intensidade das tempestades, assistimos a um aumento da erosão, que afecta bastante as propriedades costeiras”, confirmou ela ao Boston Globe.
David Moot diz estar ciente de tudo isso. Mas, para ele, mesmo que seja a efémera, a casa à beira-mar que comprou no cabo Cod ainda tem potencial. Talvez a possa vir a alugar, talvez possa levar avante o plano, para que está a trabalhar com um centro de cuidados paliativos, para transformar o espaço no último repouso de doentes terminais que queiram “uma oportunidade de desfrutar da serenidade da propriedade e de toda a aura de uma vista panorâmica sobre o oceano”. É que, para o designer de 59 anos, “há sempre prós e contras e aspectos negativos e positivos em tudo na vida”.