Caro leitor,

No muito aguardado documento de 400 páginas encomendado pela Comissão Europeia a Mario Draghi para desenhar a estratégia de desenvolvimento económico da Europa, o antigo primeiro-ministro italiano dedica um capítulo àquilo a que chama "a persistente falta de qualificações" nas empresas europeias, incluindo em sectores identificados como estratégicos para a União Europeia (UE) conseguir competir com EUA e China.

Entre todos, o relatório – que reclama investimentos de 800 mil milhões de euros em áreas-chave como descarbonização, inovação, matérias-primas ou defesa – sublinha que essa falta de competências é um tema crucial tanto nas actividades mais qualificadas, como nas que recorrem a mão de obra com menos qualificações. Mas destaca, em especial, os problemas em sectores que serão determinantes para acelerar as transições verde e digital.

Mario Draghi – que enquanto presidente do Banco Central Europeu clamou para a posteridade que faria "tudo o que fosse preciso" para resolver uma das sérias crises financeiras da moeda única – alerta mesmo que "sem políticas de qualificações ambiciosas e pragmáticas, a UE não será capaz de atingir os objectivos [de competitividade] descritos neste relatório de forma eficaz e equitativa".

Antes de elencar as suas propostas para os Estados-membros fazerem "tudo o que for preciso" de forma a resolver este problema, o relatório faz o seu diagnóstico e revela que, em média, 54% das empresas europeias identificam a falta de qualificações como um dos maiores problemas para resolver na sua actividade. Tanto para grandes grupos económicos, como para pequenas e médias empresas. O documento cita um inquérito feito pela consultora de recursos humanos Manpower, onde potências económicas europeias revelam que a falta de qualificações afecta a grande maioria das suas empresas, com destaque para a Alemanha (86%), França (80%), Espanha (80%) e Itália (75%). Portugal não escapa a esta crise de competências e está no topo da tabela mundial, num preocupante quarto lugar (84%).

O relatório identifica ainda as profissões que deverão ser mais procuradas nos próximos dez anos para tentar resolver este problema, com ciência e engenharia no topo da lista, sobretudo nos sectores mais dedicados à transição ambiental.

Perante este quadro, Draghi desenha 12 propostas para que os Estados-membros possam começar a resolver o problema da falta de qualificações.

  • Recolher dados sobre as necessidades de qualificações existentes ou potenciais, de forma a desenhar as políticas apropriadas.
  • Rever os programas educacionais com o objectivo de alinhar a formação com as carências identificadas no mercado laboral.
  • Melhorar e harmonizar a certificação de competências entre todos os Estados-membros, validando aquelas que foram adquiridas através de percursos de aprendizagem diferentes.
  • Redefinir o modelo de políticas nesta área, ao nível do seu desenho, financiamento e implementação, nomeadamente através de um maior foco nos sectores estratégicos, maior exigência, avaliação permanente e formação.
  • Apostar na formação de adultos através de financiamento adequado, incluindo por privados (com incentivos fiscais).
  • Promover e reformar a aprendizagem vocacional, numa parceria com formadores, empresas, sindicatos e associações industriais.
  • Atrair trabalhadores com qualificações elevadas de fora da União Europeia, incluindo um novo fundo que permita financiar um programa de vistos de trabalho à escala europeia. Ou lançar várias bolsas a nível europeu com vários graus académicos, em colaboração com centros de pesquisa ou instituições públicas.
  • Reduzir o desperdício de talento, implementando programas para apoiar crianças talentosas em contextos precários.
  • Atacar a insuficiência de qualificações em cadeias de valor críticas.
  • Promover a melhoria de qualificações de gestão em pequenas e médias empresas, com medidas como criar sistemas de acreditação e incentivos para melhorar a qualidade da formação de gestores ou utilizar vouchers para contratar gestores de forma temporária.
  • Melhorar as condições de trabalho e disponibilidade dos professores.
  • Aumentar a participação no mercado de trabalho, em particular das mulheres.

Embora sublinhe que o sucesso da implementação destas propostas depende das iniciativas que cada Estado-membro assuma nos modelos nacionais da sua responsabilidade, em particular no que diz respeito aos seus sistemas educativos, valorização dos professores ou participação no mercado, Draghi apela a uma verdadeira "União de Qualificações". E põe o dedo na recorrente ferida do espaço europeu: "Será necessário evoluir de uma abordagem de financiamento baseada em mecanismos de coordenação leve ou limitada no desenho e implementação de investimentos em qualificações, para uma muito maior e substantiva coordenação entre Estados-membros".

Em síntese: a crise de competências que ameaça a competitividade da União Europeia perante o galopante desenvolvimento tecnológico e económico da China e dos Estados Unidos só será possível de começar a resolver se todos os países se entenderem, não tanto sobre as prioridades, mas sobretudo sobre o financiamento das políticas comuns. "Tudo o que for preciso", parece dizer outra vez Mario Draghi.


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