Amnistia alerta para continuação de “repressão brutal” no Irão dois anos após protestos

Segundo a Amnistia Internacional, os iranianos “continuam a sofrer as consequências devastadoras da repressão brutal das autoridades contra o protesto ‘Mulher, Vida e Liberdade” de 2022.

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Protestos no Irão em 2022 causaram repressão que ainda se sente hoje STR / LUSA
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A Amnistia Internacional (AI) alertou esta quarta-feira para a continuação da "repressão brutal das autoridades" do Irão e da impunidade que as protege, dois anos após os grandes protestos para exigir igualdade de género e respeito pelos direitos fundamentais.

"As pessoas no Irão continuam a sofrer as consequências devastadoras da repressão brutal das autoridades contra o protesto «Mulher, Vida e Liberdade», num contexto de impunidade sistemática dos crimes cometidos ao abrigo do direito internacional", acusa a AI em comunicado hoje divulgado para assinalar o segundo aniversário das manifestações ocorridas entre Setembro e Dezembro de 2022.

Os protestos foram desencadeados pela morte, em 16 de Setembro, de uma jovem curda de 22 anos, Mahsa Amini, detida três dias antes pela polícia dos costumes iraniana, por suposto uso indevido do véu islâmico.

Os protestos contra o uso da força no Irão foram dando lugar a manifestações de apoio às mulheres cada vez maiores e em mais cidades, e alargando-se às denúncias contra a actuação da Guarda Revolucionária, a força ideológica do regime de Teerão.

A repressão que se seguiu provocou a morte a mais de 400 pessoas e cerca de 17 mil foram detidas, gerando ampla condenação da comunidade internacional.

Dois anos depois, a Amnistia Internacional lamenta que não tenham sido realizadas "investigações criminais eficazes, imparciais e independentes sobre as graves violações dos direitos humanos e os crimes de direito internacional", que incluíram o uso de armas de fogo, espingardas de assalto, balas, gás lacrimogéneo e espancamentos com bastões.

"As autoridades têm procurado silenciar os familiares que procuram a verdade e a justiça para as mortes ilegais dos seus entes queridos através de detenções arbitrárias, acções judiciais injustas, ameaças de morte e outras perseguições implacáveis", declara a AI.

Além disso, prossegue a organização de direitos humanos sediada em Londres, as autoridades intensificaram os seus abusos e desencadearam "uma guerra contra as mulheres e as raparigas" que desafiam "as leis draconianas sobre o uso obrigatório do véu".

Em Abril desde ano, destaca o comunicado, as autoridades iranianas lançaram uma nova campanha com o nome Plano Noor, que resultou num "aumento visível das patrulhas de segurança a pé, de mota, de carro e de carrinhas da polícia nos espaços públicos para impor o uso obrigatório do véu" e até perseguições perigosas, confisco de veículos, mais detenções e penas de flagelação ou equivalentes a tortura.

O comunicado revela vários exemplos destas práticas por parte das forças de segurança e alerta que o parlamento iraniano prepara-se para aprovar o "Projecto de Lei de Apoio à Cultura da Castidade e do Hijab", com o objectivo de "legalizar o ataque intensificado às mulheres e raparigas que desafiam o uso obrigatório do véu".

Nesse período desde os grandes protestos no Irão, a AI assinala também o reforço substancial do recurso à pena de morte para silenciar a dissidência, tendo em 2023 sido registado o maior número de execuções dos últimos oito anos e que afecta particularmente a minoria étnica perseguida Baluchi.

De açodo com a Amnistia, dez homens foram executados arbitrariamente em acções relacionadas com os protestos de 2022, na sequência de "julgamentos fictícios, grosseiramente injustos que se basearam em 'confissões' extraídas sob tortura e outros maus-tratos, incluindo violência sexual, e que não foram investigados de forma independente e imparcial".

A AI alerta em concreto para a situação da defensora dos direitos humanos Sharifeh Mohammadi e da activista da sociedade civil curda Pakhshan Azizi, que foram recentemente condenadas à morte por tribunais revolucionários em casos separados, "unicamente devido ao seu activismo pacífico", a que se somam outros casos de pessoas submetidas a tortura e maus-tratos.

Estes actos e denúncias de violações e vários crimes sexuais ocorridos durante a repressão dos protestos foram negados pelo Irão, apesar de descrições "em pormenor" reveladas no ano passado pela AI, que "tem documentado consistentemente a forma como as autoridades judiciais e de acusação têm rejeitado ou encoberto provas de violência sexual, incluindo queixas de sobreviventes".

A Amnistia refere-se também à Comissão Especial para o Exame dos Distúrbios de 2022, que descreve como "não judicial e tendenciosa", e que considerou que as forças de segurança agiram "de forma responsável" em resposta aos protestos, "apesar do uso consistente e bem documentado de força ilegal, incluindo força letal".

De igual modo, lamenta que as autoridades iranianas continuam a recusar-se a cooperar com o organismo independente criado entretanto pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e a negar o acesso dos seus membros ao país.

Nesse sentido, a AI apela a todos os estados para que iniciem investigações criminais contra funcionários iranianos "razoavelmente suspeitos de crimes ao abrigo do direito internacional, ao abrigo do princípio da jurisdição universal, independentemente de o acusado estar ou não presente no seu território".

A Amnistia pede ainda "investigações estruturais sobre a situação geral ligada aos protestos de 2022 sem um suspeito identificado".