A Pedra Sonha dar Flor, de Rodrigo Areias. A sombra, e só a sombra, de Raul Brandão

Rodrigo Areias assina um filme falho de força, que não consegue materializar a sua ambição.

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O filme A Pedra Sonha dar Flor, de Rodrigo Areias, estreia-se esta quinta-feira nas salas de cinema portuguesas
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Não se tornou por isso uma zona demarcada, muito menos uma zona interdita a terceiros, mas convém lembrar que, na sua derradeira longa-metragem, O Gebo e a Sombra, Manoel de Oliveira se “apropriou” de Raul Brandão, de caminho provando que existia uma forma “moderna” de filmar a letra e o espírito de um escritor que, nas suas inquietações metafísicas como nas suas preocupações sociais, talvez seja difícil de arrancar à sua época.

Dá-se de barato, porque é óbvio, que Rodrigo Areias pensou nisto, numa “forma”, e numa “forma moderna”, de traduzir Brandão para o cinema, A Pedra Sonha dar Flor contém com subtileza o reconhecimento da passagem de Oliveira por este território, e de algum modo denota também uma certa dívida para com os “filmes literários” que João Botelho tem feito nos últimos anos. Nem escolhe a via segura da “adaptação”, antes construindo uma teia mais ou menos intrincada, não-linear, à base de fragmentos e digressões, que se tem um leitmotiv narrativo e visual (A Morte do Palhaço) inclui evocações de outras obras do escritor (nomeadamente, Húmus).

Mas depois é um filme falho de força, que dá impressão de não coalescer, de viver de um conjunto de cenas desgarradas que nunca encontram a energia interior (interior às cenas, às imagens) que seja capaz de as unificar e de as solidificar, de atribuir ao empreendimento um sentido de propósito que ultrapasse a relativa pobreza ilustrativa, que seja capaz de criar uma ligação entre os momentos de realismo teatral austero (as cenas na pensão) e as cenas de maior impacto visual, semioníricas e “expressionistas” (as passagens nocturnas, sobretudo com os palhaços).

É um filme que é sobretudo uma superfície, visualmente cuidada (o que não significa sempre visualmente conseguida), mas que não tem nenhuma boa ideia, nem nenhuma boa prática, para restituir todo o peso da matéria que elegeu como primordial: a palavra.

Também aqui, ou sobretudo aqui, se fica numa superfície, as próprias palavras são incapazes de ganhar peso, ficam a pairar no ar sem nenhuma gravidade que as puxe para baixo, e momentos há em que a clareza aforística de certas frases é convertida em mera punchline, momento de mudar o plano (a falta de carisma de vários dos actores, “carisma” no sentido cinematográfico do termo, questão física, questão do peso de uma presença, justamente, também não ajuda).

A Pedra Sonha dar Flor é um filme ambicioso que não consegue encontrar, nem de longe nem de perto, uma forma de materializar a sua ambição.

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