Numa visita à Amazónia, que enfrenta uma seca histórica e enormes incêndios, o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou apoios extraordinários à população, dragagens de rios para tentar manter a sua navegabilidade e um plano para enfrentar desastres ambientais causados pelas alterações climáticas. Mas também se comprometeu a asfaltar a estrada que atravessa a Amazónia, uma medida polémica, que muitos cientistas dizem que pode acelerar a desflorestação.
A seca actual, que afecta 58% do território nacional, é já considerada mais severa do que as registadas em 1998 e 2015/2016, segundo o site Poder360. No estado do Amazonas, todos os municípios declararam estado de emergência devido à seca – e os enormes incêndios que estão a massacrar a Amazónia, o Cerrado e o Pantanal enviam nuvens de fumo negro até aos estados do Sul, num sinal claro da crise que ameaça a sobrevivência destes ecossistemas.
O caudal dos rios está baixo até níveis recorde, o que põe em causa a navegabilidade do que são as principais vias de transporte, de pessoas e bens, na Amazónia. Por isso, Lula foi a Manaus, capital do estado do Amazonas, e anunciou a realização de dragagens em determinados locais para remover os sedimentos acumulados em vários rios, para restabelecer a profundidade mínima de segurança exigida pela Marinha do Brasil.
O rio Madeira, o maior afluente do Amazonas, está transformado em bancos de areia a perder de vista na altura de Porto Velho, a capital da Rondónia, descreve a Folha de São Paulo. A 3 de Setembro, o rio atingiu um nível mínimo recorde naquele local, sem precedentes na série histórica iniciada em 1967: a cota do rio ficou em 1,02 metros, ultrapassando o recorde anterior, de 1,10 m, de 2023, ano de seca extrema na Amazónia ocidental, diz o mesmo jornal, citando medições do Serviço Geológico do Brasil.
A seca que compromete a navegabilidade dos rios tornou-se decisiva para que Lula fizesse um anúncio polémico: comprometeu-se a terminar a pavimentação de uma estrada que atravessa uma parte intocada da floresta amazónica, a BR-319. Mas, embora o tema não seja consensual, teme-se que o asfaltamento desencadeie um aumento desastroso da desflorestação, à semelhança do que aconteceu quando aquela rodovia foi construída, na década de 1970.
Com a seca a deixar os rios não navegáveis, esta estrada de de 885 km, inaugurada em 1976, no tempo da ditadura militar, poderia funcionar como alternativa ao transporte de passageiros e mercadorias por via fluvial. Esta é a única rodovia que liga os estados do Amazonas e de Roraima com Rondónia e com o resto do Brasil. Quando foi inaugurada, estimava-se que o tempo de viagem entre Manaus (Amazonas) e Porto Velho (Rondónia, já perto da Bolívia) seria de 12 horas, lê-se na Wikipédia.
Mas, por falta de manutenção, a estrada foi fechada em 1988 e reaberta só esporadicamente. No entanto, lá pelo meio, há cerca de 400 km de terra que se transforma em lama e se torna intransitável na estação das chuvas.
“Enquanto o rio Madeira era navegável, a rodovia não tinha a importância que tem hoje. Vamos concluí-la com a maior responsabilidade”, assegurou Lula, citado pela Reuters.
A intenção de retomar a pavimentação da BR-319 é uma história com muitos anos. Jair Bolsonaro tinha decidido avançar e a autoridade ambiental brasileira concedeu uma autorização prévia para a obra avançar em 2022. Mas em Julho, um tribunal federal suspendeu a licença prévia para a obra atribuída pelo Governo do Presidente de extrema-direita, a pedido da organização não-governamental Observatório do Clima, que defendia não estarem previstas medidas para evitar a destruição da floresta.
Agora, Lula assinou uma ordem para autorizar as obras de pavimentação em 20 km da rodovia. Nos próximos dia, será lançado edital para licitar as obras de mais 32 km, totalizando 52 km de asfaltamento, noticia a Folha de São Paulo. Estas são zonas menos sensíveis do que o chamado “trecho do meio”, que fica numa região mais densa da floresta amazónica.
O Presidente brasileiro prometeu que vai fazer reuniões, ouvir cientistas, para garantir que “a parte mais nobre da floresta amazónica" não seja destruída por grileiros [pessoas que fazem demarcações ilegais de terras], madeireiros e outros agentes de desflorestação. Mas prometeu iniciar a obra até ao fim do seu mandato, em 2026.
Lula repetiu o que tem dito muitas vezes, que é algo como a Amazónia não é apenas uma floresta, tem pessoas a viver lá. “Eu não quero transformar a Amazónia num santuário da humanidade, eu quero preservar a Amazónia e, junto com a preservação, cuidar de melhorar a vida do povo que vive aqui. Agente tem é que valorizar aqueles que deixam a floresta em pé”, afirmou.
Em termos mais imediatos, Lula da Silva anunciou ainda o adiantamento do pagamento do Bolsa Família na Amazónia, para apoiar as populações – calcula-se que 85 mil famílias estão a ser afectadas pela seca directamente na região.
Garantiu ainda que será mesmo criada uma Autoridade Climática Nacional para lidar com os fenómenos meteorológicos extremos, uma promessa eleitoral não cumprida, embora se tenha mantido vago quanto a prazos e competências.