Ministra da Justiça: evasão resultou de “cadeia sucessiva de erros e falhas graves, grosseiras e inaceitáveis”

Rita Júdice confirma demissão de Rui Abrunhosa, que estava à frente da direcção-geral das prisões, e do subdirector-geral. A subdirectora-geral Isabel Leitão assume cargo “em regime de substituição”.

Foto
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice Rui Gaudêncio
Ouça este artigo
00:00
06:48

A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, confirmou a demissão do director-geral da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Rui Abrunhosa Gonçalves, na sequência da evasão de cinco reclusos da cadeia de Vale de Judeus, em Alcoentre, que, segundo a governante, resultou de uma "cadeia sucessiva de erros e falhas graves, grosseiras, inaceitáveis", que o ministério não quer ver repetidos.

O pedido de demissão foi secundado pelo subdirector-geral com o pelouro das prisões, Pedro Veiga Santos. Assumirá funções, em regime de substituição, Isabel Leitão, até aqui subdirectora-geral da DGRSP.

Rita Alarcão Júdice disse ter mandatado a Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça para dar início urgente a uma auditoria aos sistemas de segurança de todos os 49 estabelecimentos prisionais do país. "Temos de ter confiança nos equipamentos, nos sistemas de segurança e de vigilância", enfatizou, para acrescentar que o resultado dessa auditoria deverá ser apresentado até ao final do ano.

A tutelar da pasta da Justiça ordenou ainda uma "auditoria de gestão" ao sistema prisional, que avalie a organização e afectação de recursos da DGRSP e de todos os estabelecimentos prisionais do país. "Esta auditoria, necessariamente mais demorada, vai ajudar-nos na tomada de decisões para uma melhor utilização de recursos e para efectuarmos as mudanças que se imponham", justificou.

Quanto ao desfecho das investigações e do processo de auditoria que estão a ser feitos pelo serviço de auditoria e inspecção da DGRSP aos contornos da evasão, deverá ser conhecido dentro de um mês. "Não hesitarei em dar impulso aos processos disciplinares ou penais que se revelem necessários", avisou. Apesar disso, a governante disse estar em condições de concluir, pelos relatos recebidos, que houve "desleixo" e "facilidade", além de "irresponsabilidade e falta de comando". "Também vimos decisões erradas ou ausência de decisões nos anos mais recentes. Apesar das zonas cinzentas e perguntas sem resposta que subsistem, já tenho respostas que me permitem tirar conclusões e decidir", declarou.

GNR soube 83 minutos depois

Quanto à fuga, Júdice disse não ter dúvidas de que "foi orquestrada", não tendo assim resultado "do aproveitamento de uma distracção", isto é, "não foi uma fuga oportunista". "Foi, como garantem os peritos de segurança, um plano preparado com tempo, com método e com ajuda de terceiros", afiançou, para vincar que, por causa disto, "a recuperação da confiança no sistema prisional vai exigir a responsabilização a vários níveis e o reforço da fiscalização ao sistema prisional".

Escusando-se a fazer uma descrição pormenorizada dos acontecimentos que redundaram na evasão de cinco reclusos considerados perigosos e que continuam foragidos, Rita Alarcão Júdice disse ser possível afirmar que a fuga, que implicou o recurso a duas escadas que não se encontravam dentro da prisão, demorou seis minutos. Às 9h55 ter-se-á dado a intrusão de três indivíduos no perímetro externo da cadeia. "A evasão teve início às 9h57. O último recluso a evadir-se ultrapassou a vedação exterior do estabelecimento prisional às 10h00 e 1 minuto", precisou Júdice, para acrescentar que a fuga foi detectada por dois guardas pelas 11h00.

O alerta a toda a corporação ocorre entre as 11h04 e as 11h08. Mas o director da cadeia só é informado às 11h10. O alerta à GNR ocorre às 11h18 e só às 12h00 é que o director da cadeia confirma à DGRSP a fuga e a identidade dos cinco reclusos. "Entre as manobras de aproximação dos cúmplices externos, às 9h55, e a detecção da fuga, às 11h00, decorreram 65 minutos", lê-se na declaração da ministra, antes de concluir que, entre o início da fuga e a comunicação ao órgão de polícia criminal competente (no caso, a GNR) mediaram 83 minutos".

Dispensar "a equipa toda"

"Há muito tempo que ele não reúne condições mínimas para o cargo”, reagiu ao PÚBLICO Miguel Gonçalves, do Sindicato dos Técnicos da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, para quem, juntamente com Rui Abrunhosa Gonçalves, o Governo “tem de ter a coragem de demitir a equipa toda”, sob pena de as práticas que vêm denunciando “se perpetuarem”.

Falando numa altura em que ainda não havia confirmação oficial da saída de Rui Abrunhosa Gonçalves, o dirigente sindical disse ver na mudança “um sinal positivo quanto à necessidade de pôr fim a um conjunto de práticas” nas prisões portuguesas, nomeadamente quanto à "escolha de titulares mais indicados para os lugares e que sejam capazes, por exemplo, de recusar colocar vários elementos do mesmo gangue na mesma cadeia".

Rui Abrunhosa Gonçalves estava à frente da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desde Agosto de 2022. Foi nomeado pela ex-ministra da Justiça Catarina Sarmento e Castro durante a última governação socialista, sucedendo então no cargo ao magistrado do Ministério Público Rómulo Mateus, que liderou a instituição desde Fevereiro de 2019. Psicólogo de formação e académico com trabalho na área das prisões, dos reclusos e da reinserção social, é doutorado em Psicologia da Justiça pela Universidade do Minho, onde trabalhou até 2022.

Foi psicólogo forense da Unidade de Consulta em Psicologia da Justiça e Comunitária, onde se dedicou sobretudo à avaliação pericial e intervenção junto de ofensores violentos e perigosos. Desenvolveu e coordenou investigações sobre o sistema prisional, a psicopatia, os ofensores conjugais e os ofensores sexuais e a psicologia forense.

No domingo, numa conferência de imprensa sobre a fuga, Rui Abrunhosa Gonçalves admitiu a falta de efectivos na cadeia e que a cerca eléctrica da prisão nunca funcionou. Questionado, na altura, sobre a possibilidade de vir a abandonar as funções de director-geral, foi peremptório: “Não acho que devamos atirar a toalha ao chão e se vir que a confiança em mim depositada caiu, não têm de me dizer para sair, eu sairei. Não sinto isso para já, e sair na primeira contrariedade não é a minha forma de estar na vida”, disse, na altura.

Os fugitivos são Fernando Ribeiro Ferreira, condenado a 25 anos pelos crimes de tráfico de estupefacientes, associação criminosa, furto, roubo e rapto; Fábio Loureiro, condenado a 25 anos pelos crimes de tráfico de menor quantidade, associação criminosa, extorsão, branqueamento de capitais, injúria, furto qualificado, resistência e coação sobre funcionário e condução sem habilitação legal; o argentino Rodolfo Lohrmann, condenado a 18 anos e 10 meses pelos crimes de associação criminosa, furto, roubo, falsas declarações e branqueamento de capitais; o britânico Mark Roscaleer, condenado a nove anos pelos crimes de sequestro e roubo; e o georgiano Shergili Farjiani, condenado a sete anos, pelos crimes de furto, violência depois da subtracção e falsificação de documentos.

Os fugitivos são considerados perigosos e a população foi aconselhada a estar atenta e a não se aproximar, caso identifique algum deles, devendo, nesse caso, contactar de imediato as autoridades.

Sugerir correcção
Ler 19 comentários