Governos reprimem activistas do clima mas defendem direito a protestar noutros países, acusa relatório

Vários países ocidentais agravaram leis para travar protestos de alerta contra as alterações climáticas, com penas de prisão pesadas, diz relatório. Foram mortos 196 defensores do ambiente em 2023.

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Protesto do Just Stop Oil em Londres, com uma pessoa a tentar arrastar um activista que bloqueava a estrada HENRY NICHOLLS / REUTERS
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Governos de países ricos ocidentais estão a lidar de forma cada vez mais repressiva com activistas que fazem protestos pela protecção do clima, classificando-os como organizações criminosas ou ecoterroristas. Mas, ao mesmo tempo, criticam e tentam alterar o comportamento de governos de países autoritários noutras regiões do mundo que usam os mesmo métodos para reprimir quem se lhes opõe.

A afirmação é feita num relatório da organização não-governamental Climate Rights International, que analisa a forma como têm sido punidos e reprimidos os activistas climáticos na Alemanha, França, Países Baixos, Suécia, Reino Unido, Austrália e Estados Unidos, e acusa os governos de utilizarem "dois pesos e duas medidas".

Penas de prisão longas, detenção preventiva e várias formas de intimidação fazem parte das formas de repressão dos activistas climáticos nestes países. Estas práticas podem configurar uma violação da responsabilidade legal dos governos de proteger os direitos básicos da liberdade de expressão, reunião e associação, diz o relatório da Climate Rights International.

Um exemplo, logo a abrir o relatório: o caso dos cinco activistas do movimento Just Stop Oil condenados a 11 de Julho deste ano no Reino Unido a penas de prisão efectiva por “conspiração para causar uma perturbação pública”, ao abrigo da secção 78 da controversa Lei de Polícia, Crime, Sentenças e Tribunais de 2022. Entre outros aspectos, esta legislação dá à polícia vastos poderes para deter e revistar pessoas, e equipara a obstrução de uma auto-estrada com a ameaça iminente de desordem violenta.

Assim, Daniel Shaw (38), Louise Lancaster (58 anos), Lucia Whittaker de Abreu (35 anos), and Cressida Gethin (22 anos) foram considerados culpados de conspirar para causar “perturbação pública” por estarem envolvidos num protesto para bloquear a auto-estrada M25 em Londres. E Roger Hallam (57 anos), um activista bem conhecido no Reino Unido, recebeu cinco anos de prisão efectiva, apesar de ter provas de que apenas participou num encontro online para preparar o protesto. Mas uma característica deste tipo de leis é a recusa do juiz em apreciar provas da defesa, também.

O relator especial das Nações Unidas para os Defensores do Ambiente, Michel Forst, considerou que estas sentenças “não são aceitáveis numa democracia”. “Sentenças como a de hoje são um precedente perigoso, não só para o protesto ambiental, mas para qualquer forma de protesto pacífico que, num momento ou outro, pode não se alinhar com os interesses do Governo no poder”, declarou Forst. Várias outras personalidades criticaram a decisão da justiça britânica, apoiada numa legislação criada para responder aos protestos dos activistas pelo clima, como a Extinction Rebellion.

Foram feitas comparações com participantes nos motins de extrema-direita este Verão no Reino Unido. Derek Drummond, de 58 anos, que esmurrou um polícia à porta de uma mesquita, recebeu três anos. Steve Mailen, de 54 anos, considerado um dos “principais instigadores” da revolta, foi condenado a dois anos e dois meses, recorda o jornal britânico I.

“Os governos deviam ver os activistas e manifestantes climáticos como aliados na luta contra as alterações climáticas, e não como criminosos”, comentou, ao Guardian, Brad Adams, director da Climate Rights International.

Há também uma duplicidade nos critérios que incomoda. Os protestos de agricultores no início de 2024 em vários países europeus, que entre outros motivos, se manifestavam contra metas do Pacto Ecológico Europeu, foram tolerados, embora tenham cortado estadas com tractores e outras máquinas agrícolas, queimado pneus, e perturbado a ordem pública de várias formas, destaca o relatório.

“Apesar destas acções violentas e por vezes perigosas, os agricultores que se manifestaram não foram demonizados. Em vez disse, os responsáveis da União Europeia e dos Estados-membros negociaram com eles, oferecendo concessões em relação às metas climáticas e cortes de emissões no sector agrícola”, salienta a Climate Rights International.

“O diferente tratamento dos que protestam por diferentes assuntos é uma clara violação da obrigação dos governos a serem neutros na forma como abordam reuniões pacíficas e nas restrições que impõem”, afirma o relatório.

A organização não-governamental salienta ainda que os Governos europeus, da Austrália, do Reino Unido – e, embora não seja objecto de estudo no relatório, Portugal tem acompanhado a tendência –, de democracias ricas e ocidentais, levantam a voz para criticar regimes em países em desenvolvimento que não respeitam o direito ao protesto pacífico. O que não está errado. O que faz falta, diz o relatório, é olhar de forma mais séria para o que fazem na sua própria casa.

“Os Governos assumem por vezes uma posição tão forte sobre o direito ao protesto pacífico noutros países – mas quando não gostam de alguns protestos no seu próprio país, fazem aprovar leis e usam a polícia para os travar”, afirmou Brad Adams.

Duas centenas de defensores do ambiente assassinados

O tema ganha mais pertinência porque os defensores do ambiente continuam a pagar com a vida quando se erguem para defender os seus direitos, os das suas comunidades e a natureza, mostra um outro relatório, da Global Witness. Pelo menos 196 pessoas foram mortas no ano passado por defenderem o ambiente e os direitos à terra, e mais de um terço dos homicídios aconteceu na Colômbia.

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Manifstação de povos indígenas na Colômbia, exigindo o fim da violência à qual têm sido sujeitos Luiza Gonzalez/REUTERS

Foram mortas 79 pessoas na Colômbia em 2023, o número mais elevado alguma vez registado pela Global Witness num único país de activistas ambientais assassinados, num determinado ano, desde que começou a monitorizar este tipo de assassinatos em 2012.

“Com a crise climática a acelerar, os que levantam a voz para defender corajosamente o nosso planeta enfrentam violência, intimidação e morte”, afirmou Laura Furones, conselheira sénior da campanha de defensores da terra e do ambiente da Global Witness, citada no relatório. As conclusões do relatório são conservadoras e os números estão provavelmente incompletos, disse à Reuters.

É na América Latina que a situação é mais sangrenta: 85% dos assassinatos ocorre lá, e 43% das pessoas mortas são de comunidades indígenas. A esmagadora maioria (90%) é do sexo masculino. Colômbia, Brasil, México e Honduras são os países mais mortíferos.

Com a actualização deste ano, já foram mortos 2106 activistas ambientais e pelo direito à terra desde 2012, quando a Global Witness começou a compilar estes dados.

Embora não seja fácil, na maior parte dos casos, determinar o que levou ao homicídio, a actividade mineira está na origem da maior parte dos conflitos violentos. Mas na Colômbia, muitos dos assassínios aconteceram no Sudoeste, onde as comunidades são apanhadas no fogo cruzado da violência relacionada com o tráfico de droga e a plantação de coca.

O Presidente Gustavo Petro prometeu controlar a violência contra os defensores do ambiente, mas os resultados não estão a ser bons. Os processos de paz com vários grupos armados – por vezes implicados nos homicídios de ambientalistas – falharam e, embora a desflorestação tenha caído para um mínimo de 23 anos no ano passado, o Ministério do Ambiente alertou para um aumento em 2024, diz a Reuters.

É "desonroso" estar no topo da lista da Global Witness, disse o Governo colombiano numa declaração. "O Governo reconhece a grave situação derivada dos conflitos sócio-ecológicos associados ao narcotráfico, às práticas extractivistas ligadas às economias ilícitas e à reconfiguração do conflito armado”, diz ainda o documento.

"O número é muito embaraçoso para nós no país", disse Astrid Torres, coordenadora do Somos Defensores, um grupo colombiano de direitos humanos. Torres disse que a questão não é responsabilidade apenas do governo em exercício, mas também de instituições estatais, como promotores e autoridades locais.

Num evento para lançar a agenda da Cimeira da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodviersidade (COP 16) que se realiza em Outubro em Bogotá, a vice-presidente da Colômbia, Francia Marquez – vencedora do prémio Goldman para o activismo ambiental em 2018 - disse que a conferência iria homenagear os mortos, recorda a Reuters.