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A arte de produzir arranjos florais que encantam e dão lucro
Nathan, Tatiana e Helô contam detalhes de como suas vidas se transformaram ao entrar para o mercado de decoração. É preciso muita técnica para lidar com as flores, combinando dedicação e bom gosto.
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A cidade de Kyoto no Japão é considerada o berço da arte floral da Ikebana. Foi durante uma viagem de férias para aquele país que o nipo-brasileiro Nathan Kunigami, 36 anos, teve contato com essa arte. Nascido no Rio de Janeiro, filho de pai descendente de japoneses e mãe maranhense, ele se formou em jornalismo e fez carreira em comunicação corporativa e marketing. Na viagem ao Japão, o seu objetivo era conhecer a terra dos avós paternos. Passou por Tóquio, Kyoto e Osaka.
Lá, fez aula de Ikebana. Na sua bagagem, trouxe o livro que considera o mais completo para aprender sobre a técnica, The Art Of Arranging Flowers de Shozo Sato. “Quando retornou para o Brasil, comecei a praticar Ikebana como um hobby. Inclusive, recomendo esse livro para qualquer pessoa que queira estudar e praticar. Essa arte vem dos tempos dos samurais, que aprendiam em meio a uma cerimônia regada a chá e poesia”, diz.
Nathan conta que hoje desenvolve no seu estúdio em Lisboa um estilo próprio, mas que a Ikebana estará sempre presente como raiz e fonte de inspiração. “Trabalhava durante a semana e no final de semana. Ia ao Mercado Municipal do Rio de Janeiro, Cadeg, comprar flores para fazer os arranjos. Tentava sempre seguir as regras da Ikebana, que são muito rígidas, tem ângulos e alturas exatas de acordo com o vaso que você usa. Levava até oito horas para finalizar um arranjo”, relembra.
Um dia, por indicação de uma amiga que trabalhava em uma loja que seria inaugurada no Leblon, chamada Toia Lemman, ele foi procurado para fazer um arranjo floral. Foi a primeira encomenda dele. “A minha mudança profissional foi uma conjunção de fatores. Eu tinha sido promovido para uma gerência regional e percebi que não queria mais o trabalho corporativo. Ao mesmo tempo, o meu atual marido, que, na época, não era marido, morava em São Francisco e decidiu passar um mês no Rio. Nessa visita, ele sugeriu que nos mudássemos para Lisboa. Achei interessante essa hipótese e viemos conhecer a cidade. Gostamos, e um ano depois nos mudamos para cá”, recorda.
Demissão e mudança
No retorno para o Rio, Nathan pediu demissão do emprego em uma agência de marketing e organizou a mudança. Antes de embarcar para Portugal, tirou um período sabático e passou três meses em São Francisco. “Eu nunca tinha tido um tempo só para mim. Durante a faculdade, fui fazer estágio e fui contratado. Em São Francisco, aproveitei para entrar em contato com estúdios florais. Foi um grande aprendizado, esse período serviu para me dar uma visão do negócio”, afirma.
Nathan chegou a Lisboa em 2018 com o nome do seu estúdio já escolhido: Kokuga. Uma homenagem aos avós japoneses. Por um erro de tradução no registro de chegada ao Brasil, o sobrenome da família Kokuga tinha se tornado Kunigami. “Independentemente da Ikebana, minha viagem ao Japão foi muito importante para entender esse outro lado do que sou. Pretendo voltar um dia para conhecer os meus parentes que lá vivem e que perdemos contato”, ressalta.
Autodidata, continuou suas pesquisas em livros enquanto trabalhava meio período como consultor em um hotel na cidade. Há dois anos se dedica exclusivamente a estúdio Kokuga. Que funciona como ateliê e local para receber clientes. Um dos seus trabalhos recentes pode ser contemplado até o final de outubro no Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade. Nathan foi convidado para participar do programa denominado Tivoli Art Collection, em que são exibidas obras de artistas no lobby do estabelecimento.
“Tive um bom tempo para desenvolver o projeto e me deram carta branca para criar o que quisesse. O trabalho se chama A Mata Pede Passagem. Minha inspiração veio do mato, das flores que nascem nas calçadas ou no asfalto. É uma homenagem a essa força e resiliência da natureza. Levando-a para dentro do hotel de uma maneira impactante”, detalha.
O trabalho se divide em três partes, representando os três elementos presentes na Ikebana: a divindade, a humanidade e a terra. O arranjo floral procura o equilíbrio entre os três. Uma das peças recebeu o nome de Davina, homenagem à avó, que faleceu este ano aos 99 anos e que viu esse trabalho do neto.
Nathan conta um pouco das encomendas: "Tenho feito alguns casamentos, tenho clientes corporativos e particulares. Trabalho com subscrições nas quais o cliente pode receber em casa as flores ou um arranjo já pronto. Também trabalho com alguns restaurantes, onde, a cada 15 dias, faço um arranjo. Tenho feito trabalhos para algumas marcas de luxo também”, frisa.
Em um desdobramento desses trabalhos, Nathan lançará um chá com sua marca em parceria com a Companhia Portuguesa de Chá. “É uma coisa que eu já queria fazer há algum tempo, porque, particularmente, não bebo café, não gosto. Então, bebo muito chá, e esse é um blend mais floral, um pouco exótico. Uma das minhas ideias é que a Kokuga tenha produtos relacionados ao universo da marca. Já tenho uma vela aromática, elaborada em um estúdio espanhol, que pode ser encontrada em nosso site e, agora, virá o chá. Tudo isso é um sonho se tornando realidade”, diz.
De executiva a professora floral
A arte floral entrou na vida da brasileira Tatiana Vieira, 45, como uma forma de relaxamento e hobby. Com o tempo, ela foi pegando gosto, comprando livros e fazendo cursos. Foi quando percebeu que podia ter uma segunda profissão, diferente da sua formação em administração e gestão. A mudança para Portugal se deu por busca de segurança. Com dois filhos, de 15 e 21 anos Tatiana queria proporcionar a possibilidade de se formarem e terem suas famílias em um país mais seguro do que o Brasil.
Com dupla cidadania, lituana e brasileira, o caminho para ingressar em Portugal foi fácil, aportando em terras lusitanas em dezembro de 2020. No ano seguinte, ainda em meio ao lockdown da pandemia de covid-19 achou uma pequena loja, na esquina da casa dela. Pensou: "É aqui que vou começar". Ela, porém, ficou com medo por causa da pandemia. "Mas tive muita fé e coragem. Comecei a fazer os meus buquês em estilo inglês. Em pouco tempo, tínhamos fila na porta da loja”, relembra.
Com formação em arte floral na Inglaterra, Dinamarca e Itália, Tatiana segue a escola de Constance Spry, nascida no Reino Unido e referência mundial de arranjos florais, responsável pela decoração da coroação da Rainha Elizabeth II. “Em datas comemorativas como o Dia dos Namorados, São Valentim e Dia das Mães, os buquês acabam cedo. Também comecei a ser procurada para dar aulas. Relutei a princípio, mas, como já tinha o sonho de ser professora, peguei coragem de mudar de sede e montei, no Parque das Nações, a Escola de Arte Floral de Lisboa. Eu brinco que achava que queria ter qualidade de vida como florista e professora. Na verdade, acho que trabalho até mais do que quando era executiva. Mas me sinto realizada”, comemora.
A escola já começa a ter reputação internacional. Com alunos vindos de vários países, desde St. Barts, no Caribe, a Austria e Luxemburgo, no continente europeu. “Para mim foi uma surpresa, porque pensei que pegaria mais o público local. A aluna que veio do Caribe tinha marcado há um ano. Conheceu o meu trabalho pelo Instagram e fez pesquisa junto aos meus alunos. Achei o máximo. É muito interessante, porque a escola ganha uma repercussão muito maior do que eu imaginava”, comenta.
As flores chegam às mãos de Tatiana vindas de países como Dinamarca, Itália e Etiópia, na África. “Como escola, temos que apresentar vários tipos de flores. O meu estilo de formação é inspirado na Constance Spry. Essa senhora foi a protagonista de tudo isso. Uma das minhas escolas foi a McQueens Flower School, em Londres. Toda a inspiração vem dessa senhora. Ela é a mãe de todos os floristas do mundo”, afirma.
A maior procura que a Escola de Arte Floral de Lisboa tem é a Masterclass particular, uma aula particular em que o aluno passa o dia inteiro apreendendo. “O maior foco hoje da escola é o masterclass particular, que pode durar dias, semanas ou até meses. Também temos workshops e aulas em grupos. Os alunos que querem aprender para fazer em casa, preferem workshops, que são algumas horas por dia com o tema definido. A maior procura é de pessoas que querem montar seu próprio negócio, aí escolhem a masterclass”, conclui.
Referência na decoração
Há sete anos vivendo em Portugal a designer de interiores Helô Penteado, 61, mudou a vida por causa da crise que atingiu o Brasil em 2017. O marido, o engenheiro Carlos Cinta, tinha uma construtora e viu as encomendas zerarem quando o setor estagnou. Para compreenderem o mercado português, conversaram com operários nas ruas, visitaram obras, procuraram conhecer os fornecedores. E chegou o momento de buscar clientes. “Sempre dei cursos de como receber bem em São Paulo. Fiquei muito conhecida e viajei para alguns países para realizar esses encontros. Quando comecei a fazer isso em Portugal, minha intenção era de fazer contatos para a construtora”, lembra.
Helô conta que, nessa fase inicial, receberam bastante apoio do empresário Pedro d’Orey, dono da Quarto e Sala, conhecida loja de decoração de Lisboa, que indicou o casal para vários trabalhos. "Dava um curso para orientar as pessoas sobre como receber em cada ocasião, fosse um noivado ou um churrasco descontraído, ou mesmo em um almoço de negócios. Nesses cursos, sempre arrumava umas flores e orientava sobre como usá-las”, assinala.
Em 2018, ela resolveu fazer um evento maior no Hotel Palácio Estoril, um dos locais mais icônicos de Portugal, cenário de casamentos da nobreza europeia e até de um filme do 007. “Lá tem a Sala Tropical, com cortinas cor de laranja e piso em mármore. É uma sala maravilhosa. Nesse curso, uma das participantes me convidou para fazer a decoração de um almoço na casa dela. Aceitei na hora. Comecei a postar no Instagram. Uma quis um almoço, a outra, um jantar, os eventos foram se sucedendo. Comecei a angariar mais clientes”, recorda.
Nunca se denominando florista, Helô reconhece a importância delas na decoração e o cuidado que se deve ter quando se manuseia os vasos dos anfitriões das recepções. “Quando cuidei da decoração de um evento na residência de Regina Camargo Pires, herdeira da construtora Camargo Corrêa, o cuidado foi extremo. Os vasos Companhia das Índias não podiam sair da casa e tive que levar as flores e montar tudo lá mesmo. São peças muito raras”, afirma.
Para Helô, é fundamental que as flores combinem com a casa, com a decoração. Ver o que fica em harmonia. Um de seus objetivos é que tudo fique bem na foto. “Penso na estética. Se vai tirar uma foto, tem que ter profundidade. Penso em como vai ficar no álbum da festa. A flor tem que combinar. Gosto do arranjo que pareça que a flor está em um jardim. Quero que fique exatamente como a minha visão. Tem que combinar com a ocasião”, conclui.