Sem muros, Lisboa vive intenso diálogo entre a arte brasileira e portuguesa

Sob o comando de brasileiros, galeria abre as portas para a diversidade criativa. Artesanatos produzidos em comunidades carentes e um gigante que dança estão em mostras à disposição do público.

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Daniel Mattar e Bebel Moraes abriram a Brisa Galeria em Lisboa há sete anos. Agora, preparam exposição com obras de brasileiros e portugueses Carlos Vasconcelos
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Os brasileiros têm assumido papéis de destaque nas artes plásticas em Portugal, tanto na exposição de suas peças, quanto no comando de importantes galerias. “É incrível como encontramos espaço nesse mercado”, diz Bebel Moraes, que, com o marido Daniel Mattar, está à frente da Brisa Galeria, no Chiado. “As portas foram se abrindo e, hoje, temos um espaço muito atraente para quem gosta de arte”, acrescenta.

Bebel está a todo vapor. No próximo 3 de outubro, a Brisa fará sua primeira exposição com artistas do Brasil e de Portugal neste ano. A mostra Linha Trave Lâmina terá obras de Daniel Mattar, Maria Ribeiro e Miguel António Domingues, com curadoria de João Silvério. “Estamos muito entusiasmados com esse projeto. Será encantador”, afirma.

Daniel Mattar, fotógrafo, pintor e escultor, define sua participação na mostra em Portugal como resultado de uma intensa produção de sua família de artistas. O pai, Márcio Mattar, é designer de joias e escultor. A mãe, Eliane Mattar, é artista plástica e foi casada com Patrick Moraes, ex-tecladista do grupo Yes. “Creio que meu trabalho passou a dialogar com os de artistas portugueses, o que acabou resultando na mostra que estamos preparando”, assinala Daniel.

Bebel e Daniel são pais de três filhos e trabalhavam com moda, fotografia e outras atividades comerciais e artísticas no Brasil. A mudança para Lisboa ocorreu de forma natural, embalada pelo desejo de terem uma galeria para expor toda a criatividade brasileira. “Quando encontramos o espaço onde funciona a Brisa foi como realizar um sonho”, ressalta ela. O entusiasmo era tanto que, depois de seis meses de obras, a galeria já estava aberta. "Foi uma alegria ter dado tudo certo”, complementa.

O projeto da Brisa começou como uma galeria de autor, onde, ao longo de um ano, foram expostos apenas os trabalhos do Daniel, uma forma de observar como funcionaria a galeria. “No segundo ano, começamos a convidar outros artistas para dialogar com o trabalho do Daniel”, descreve Bebel.

Mas, pragmática, ela enfatiza: “Trabalhamos com arte, porém, o lado comercial é importante, porque se vive disso. Tudo é resultado do trabalho, não esquecendo que se trata de uma atividade legítima no mercado cultural e uma importante contribuição para Portugal”.

A Brisa Galeria tem sete anos de atividades ininterruptas, em que Bebel e Daniel puderam observar que trabalhar com arte não é a mesma coisa que comercializar gêneros de primeira necessidade. “Esse é o nosso maior desafio. Fazer com que os clientes, os apreciadores de arte, de alguma forma, desejem muito conviver com as obras e sintam que as peças são importantes para eles”, ressalta Daniel. Segundo ele, “a arte transforma e alimenta também, só que de uma forma subjetiva”.

Na visão dos donos da Brisa, exposições, lançamento de artistas e coletivas trazem um grande público para a galeria, não apenas aquele com poder de compra, mas, também, os que gostam de apreciar e sentir visualmente a importância e a qualidade das obras. “Esta troca é boa para todo mundo”, destaca Daniel.

Incubadora de arte

O português Rui Lagartinho, da galeria Arte Graça, na Junta da Freguesia de São Vicente, é especialista na curadoria de exposições com artistas brasileiros. Neste momento, ele toca a mostra com obras de Cocco Barçante, em que o artesanato impera. Para o curador, o local funciona como “uma incubadora que se espalha para outras galerias, inclusive as comerciais, sendo uma porta de entrada para artistas que escolheram Lisboa”.

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O artista Cocco Barçante apresenta, na galeria Arte Graça, a diversidade do artesanato brasileiro produzido com materiais descartados Carlos Vasconcelos

Na avaliação de Lagartinho, as propostas do Brasil sempre são bem-vindas, e a ideia da economia criativa, com o artesanato brasileiro, por parte de Barçante, se encaixou com perfeição. Trata-se de um trabalho oriundo das comunidades, fruto da intervenção social no Rio de Janeiro, que aliou a realidade brasileira com a comemoração dos 50 anos da Revolução dos Cravos. “A Mata Atlântica e sua diversidade estão sendo expostas com sinergia e dinâmicas que nos interessam”, destaca o curador.

Barçante, 61 anos, nasceu no Rio, mas suas origens familiares remontam à Itália, da Calábria à Toscana, de onde retira a inspiração para produzir e coordenar trabalhos reconhecidos internacionalmente. Já expôs em Madrid e Paris. Sua trajetória começou como estampador para famosas grifes brasileiras, como Boys & Girls, Ferraiolo, Gang e Redley, e para a estilista Glorinha Pires Rebelo. Ele também deu aulas sobre moda em universidades e cursos técnicos.

A exposição dele em Portugal é consequência de um antigo desejo de “unir as colinas do bairro carioca de Santa Teresa com as colinas da Graça, em Lisboa. Era um projeto acalentado por ele, uma concretização de um trabalho iniciado em 2022, com a exposição que aproximava os bondinhos de Santa Teresa aos elétricos de Lisboa.

“O tema da nossa exposição é liberdade”, diz Barçante. Ele aborda questões ambientais no Brasil em contraponto com o significado das comemorações dos 50 anos do fim da ditadura salazarista em Portugal. “A ideia foi unir o sentimento de liberdade dos portugueses à liberdade contida na Mata Atlântica brasileira”, explica.

Segundo o artista, as peças apresentadas na galeria Arte Graça foram produzidas por artesãos do Rio. São cerâmicas, bordados, pinturas, esculturas e colagens. Boa parte das obras resultou do reaproveitamento de lixo tecnológico e de diversos materiais que mostram a diversidade e a necessidade de preservação do meio ambiente.

Tambor artístico

O artista plástico Ernesto Neto, 61, natural do Rio, inaugurou na galeria oval do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Belém, a exposição performática Nosso Barco Tambor Terra, que vai até 7 de outubro. A mostra permite a imersão do público num mundo interativo, com instrumentos de percussão, performances musicais e sons que levam à reflexão.

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O trabalho do brasileiro Ernesto Neto está em exposição até 7 de outubro no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) Carlos Vasconcelos

As pessoas se deparam com uma escultura gigantesca feita de tecidos de algodão em formato de teia, com cores fortes, que representam a natureza, ocupando quase toda área do salão do museu. Um software se encarregou de desenhar o formato ajustado ao espaço, onde foi instalado uma grande armação.

Durante a trajetória artística de Ernesto Neto, ele desenvolveu outras aptidões, especialmente, as ligadas à percussão e, nessa obra, incorporou vários instrumentos que são ativados por uma programação musical ou mesmo pelos visitantes.

Todos podem usar os instrumentos, com ritmos segundo as preferências musicais. O artista chama a atenção para as programações africanas e asiáticas e os tambores disponíveis. De acordo com o curador do evento, Jacopo Crivelli Visconti, a exposição tem vários elementos que transformam o Nosso Barco Tambor Terra uma dança.

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