Kujeedeen: O Galo de Barcelos e um bolo português em Banguecoque

Há em Banguecoque um bairro que ainda mantém uma forte identidade portuguesa. Um museu conta a história das relações entre os dois povos ao longo dos tempos.

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Os fios de ovos são uma das principais heranças culinárias portuguesas em Banguecoque Guillermo Vidal
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Os fios de ovos são provavelmente, no que à culinária diz respeito, o símbolo mais visível da herança que os portugueses deixaram na Tailândia. Por todo o lado os vemos nos mercados, em diferentes tipos de apresentações. E lá estão eles, numa lista que encontramos no Museu Baan Kudichin, no bairro de Kujeedeen, o mais português de Banguecoque.

Os foi thong, como são chamados em tailandês, aparecem numa foto ao lado da sua versão tailandesa, assim como os bolinhos de massapão, as broinhas, o bolo de coco, os ovos moles, a tigelada e as queijadas de Coimbra, e uma legenda: “As sobremesas portuguesas são sobretudo feitas de ovos e açúcar. [Os fios de ovos] foram inicialmente introduzidos em Sião por Thao Thong Kip Ma (Marie Guimard), a mulher de Chao Phraya Wichayen (Constantine Phaulkon), em 1717.”

Já passámos pela Igreja de Santa Cruz, construída no terreno entregue à comunidade portuguesa nos finais do século XVIII, e por um restaurante que anuncia “comida portuguesa autêntica” pelas mãos de uma cozinheira que é da quinta geração de descendentes de portugueses e que exibe orgulhosamente no topo do menu um Galo de Barcelos. Chegamos agora ao museu, situado num edifício de 1935, que foi “originalmente a casa do Tio Pong e da Tia Charlott” e que, depois da morte dos herdeiros, passou para a Igreja de Santa Cruz.

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Há uma presença católica muito evidente em Kudeejeen dr

No interior, a história da família e o estilo de vida neste bairro em meados do século XX cruzam-se com a história, muito mais antiga, da relação entre os portugueses e o Reino de Sião, mais tarde Tailândia. Foram os portugueses os primeiros ocidentais a chegar a estas terras, com objectivos comerciais e, tendo lutado ao lado das forças do Sião, foram recompensados pelo rei com terras, tendo-se instalado e fundado a primeira igreja cristã no território então chamado de Ayutthaya. Quando os birmaneses invadiram e saquearam Ayuttaya, os portugueses mudaram-se para Thonburi, a zona nas margens do rio Chao Phraya, onde hoje se situa Kudeejeen.

Toda a história dos inícios da relação com os portugueses está contada nas paredes do piso térreo do museu. Subimos ao andar de cima e o que encontramos é uma pequena casa, exactamente como no tempo em que era habitada pela família proprietária: uma velha máquina de escrever sobre uma mesa, fotografias antigas, imagens religiosas, terços, uma Nossa Senhora, uma cortina bordada que a leve brisa deste dia de calor tórrido faz ondular levemente.

E, junto a uma das janelas, uma mesa posta com réplicas de pratos de inspiração portuguesa, mas que são, na realidade, uma mistura entre sabores e técnicas portuguesas com as tailandesas, com destaque para um frango estufado com batatas e um guisado com carne de porco.

Não podíamos deixar o bairro de Kudeejeen sem provar aquele que é apresentado como “o bolo português”, o kanom farung, uma espécie de queque que tem por cima açúcar e frutas cristalizadas e que é vendido em diversas pastelarias da zona – comprámos os nossos na Thanunsingha.

E se não o conseguimos identificar inteiramente com um bolo em particular, percebemos que, apesar das transformações que a receita possa ter sofrido, tem sem dúvida as suas origens na pastelaria semi-industrial portuguesa. E é testemunho de uma ligação que perdura até hoje neste pacato bairro de Banguecoque.

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