Cientistas partem em missão para estudar a vida marinha no banco de Gorringe

Recolher dados para gerir melhor esta área da Rede Natura 2000 e vir a criar uma nova área marinha protegida é o objectivo desta missão, em que participam 26 cientistas, portugueses e estrangeiros.

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A missão far-se-á a bordo do Santa Maria Manuela e mais dois veleiros Adriano Miranda
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Se estiver na ponta Sagres, resistindo aos ventos que tudo parecem capazes de arrastar pelos ares, sabe que nas águas do Atlântico, a cerca de 200 km de distância, para sudoeste, fica o banco de Gorringe, uma cordilheira submarina que tem as mais altas montanhas da Europa… só que escondidas, debaixo de água. Uma missão de três semanas em que participam 26 cientistas portugueses e internacionais parte neste sábado de Lisboa, a bordo de três veleiros, entre os quais o histórico Santa Maria Manuela, para estudar este local de enorme biodiversidade.

O objectivo da missão é obter informação científica que sirva de base à gestão desta importante área da Rede Natura 2000, bem como à futura criação de uma Área Marinha Protegida ali. Esse será um passo determinante para Portugal cumprir a estratégia europeia que tem a meta de proteger pelo menos 30% do mar até 2030 (e pelo menos 10% protegido de forma estrita), adianta um comunicado da Fundação Oceano Azul, um dos promotores da expedição.

O Oceanário de Lisboa, o Governo português, através do Ministério do Ambiente e Energia e do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a Marinha Portuguesa completam o rol de promotores da missão, juntamente com a Fundação Oceano Azul.

Nela participam ainda instituições científicas como Instituto Hidrográfico, Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, CESAM Universidade de Aveiro, Cibio – Universidade do Porto, Mare – Politécnico de Leiria, Okeanos Universidade dos Açores, SPEA, Associação para a Investigação do Meio Marinho, Aquário Vasco da Gama, Moss Landing Marine Laboratories – Universidade Estadual de San Jose (Estados Unidos, bem como do Marine Futures Lab da Universidade da Austrália Ocidental e do Laboratório de Bioacústica Aplicada da Universidade Politécnica da Catalunha, Espanha).

Descoberto em 1875 por uma expedição norte-americana, o banco de Gorringe recebeu este nome em homenagem ao comandante do navio dos serviços hidrográficos dos EUA que estava a fazer o reconhecimento dos fundos marinhos, Henry Honychurch Gorringe. A cordilheira Gorringe prolonga-se por 200 km e tem cerca de 80 km de largura. Tem cerca de 5000 metros de altura, desde o fundo do mar, o que a torna a cordilheira mais elevada na Europa.

A sua origem geológica remonta à abertura do oceano Atlântico, como resultado da convergência entre as placas tectónicas africana e euro-asiática, há cerca de 170 milhões de anos. Tem dois picos principais: o Monte Gettysburg e o Monte Ormonde, que vão ser estudados pelos cientistas. Durante décadas, considerou-se que poderia ser o local de origem do sismo de 1755 que destruiu Lisboa e outras zonas costeiras portuguesas, embora essa hipótese já não seja tida como a mais válida.

Um oásis no oceano

Esta zona marinha é aquilo a que os cientistas chamam um hotspot de biodiversidade: tem enorme variedade de habitats, que vão desde florestas de algas pouco profundas a águas profundas com corais de água fria. Alguns dos picos chegam perto da superfície, outras zonas são muito fundas, o que gera grande diversidade. Sustenta um ecossistema marinho movimentado, repleto de vida, que alberga vida marinha que normalmente só se encontra nas zonas costeiras, mas ambientes de grande profundidade, como corais de água fria.

O banco de Gorringe também serve como ponto de paragem crucial para as espécies migratórias – como baleias, tubarões ou tartarugas –, oferecendo refúgio e sustento. As aves marinhas são outro elo da cadeia da vida naquela zona marinha, e ligam diferentes níveis da cadeia alimentar marinha. Estudos anteriores registaram pelo menos 850 espécies ali, algumas delas ameaçadas, diz o comunicado de imprensa.

Os cientistas que participam na expedição que parte neste sábado do Parque das Nações, em Lisboa, e só deverá regressar no dia 28, vão usar diversos métodos científicos e tecnologias – incluindo veículos de operação remota (ROV) e mergulhos de scuba para recolher indícios que permitam avaliar o estado de conservação do ambiente marinho no banco de Gorringe.

Serão recolhidas amostras e imagens para a caracterização da biodiversidade e habitats marinhos e, com recurso a mergulho científico e a tecnologias como drones, sistemas de câmaras de vídeo com isco para atracção da megafauna (BRUV – Baited Remote Underwater Video) e um ROV será possível aceder a zonas que, até hoje, têm sido muito pouco exploradas.

“No final, será produzido um relatório científico para sintetizar os valores biológicos e ecológicos desta área de grande importância para a conservação do oceano”, diz o comunicado. Os resultados desta expedição devem vir a servir de suporte para recomendações de medidas de conservação e gestão a pôr em prática neste oásis marinho.

Decorrem ainda trabalhos nas áreas de bioacústica e cartografia dos fundos marinhos, com a colaboração do Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa.

Em Julho, o navio hidrográfico D. Carlos I fez a primeira cobertura batimétrica completa dos montes submarinos Gettysburg e Ormonde, numa área de 2200 km², usando os modernos sistemas de sondadores multifeixe. Este navio da Marinha juntar-se-á mais tarde à expedição no Gorringe, levando jornalistas e mergulhadores para a parte final.

O navio oceanográfico Mário Ruivo, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, estudou em Agosto o complexo geológico Madeira-Tore. Fez avaliações geofísicas, biológicas e oceanográficas, e os resultados destas missões serão articulados, diz o plano científico da expedição ao Gorringe que parte neste sábado.