Regras para dar aulas não convencem bolseiros de investigação

Associação acredita que só os bolseiros que precisarem mesmo de reforçar o seu rendimento aceitarão dar aulas ao básico e secundário. E que isso será “laborar numa dupla precariedade”.

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No arranque de mais um ano lectivo, prevê-se que milhares de alunos comecem o ano sem todos os professores Paulo Pimenta/Arquivo
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Para a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)​, a fixação de um limite anual de 150 horas de aulas e de seis horas lectivas semanais para os bolseiros de investigação científica que o Governo quer atrair para as escolas básicas e secundárias para colmatar a falta de professores não responde às suas reivindicações, considerando que a medida “não é compatível com as condições de precariedade” em que trabalham e com o facto de não serem “reconhecidos como trabalhadores”.

A fixação destes limites — e não das 10 horas semanais, como chegou a ser anunciado e que os bolseiros consideraram desde logo muito difícil de compatibilizar com a sua actividade de investigação — não foi propriamente uma novidade para a presidente da ABIC, Sofia Lisboa, que reunira já com o ministro da Educação, Fernando Alexandre, no início de Agosto, para discutir algumas destas questões.

“A nossa posição mantém-se independentemente desta diminuição. O número das dez horas era, de facto, totalmente descabido, mas as nossas preocupações mantêm-se: por um lado, porque não é uma solução para a escola pública. É uma medida de emergência com a qual só podemos concordar se houver uma negociação em curso com os professores para dar resposta àquilo que são os seus problemas; por outro lado, porque para os bolseiros é uma situação que vem, de certa forma, laborar numa dupla precariedade”, afirma a presidente da ABIC.

Na quinta-feira, o Governo aprovou um diploma que altera o Estatuto do Bolseiro de Investigação de modo a permitir o “​recrutamento de milhares de bolseiros de doutoramento para darem aulas no ensino básico e secundário”​. Altera o “regime de dedicação exclusiva aplicável aos bolseiros de investigação, por forma a compatibilizar as funções de bolseiro neste regime com o exercício de funções docentes remuneradas, no âmbito do ensino básico e secundário, até um máximo de 150 horas por ano lectivo”.

De acordo com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), o diploma clarifica ainda “aspectos do regime de compatibilização de funções do bolseiro de investigação com o exercício de outras funções remuneradas”. E prevê ainda que o contrato de bolsa possa ser prorrogado “nos casos que determinam a suspensão deste contrato, consignando-se que a totalidade dos períodos de suspensão não pode ser superior à duração total do contrato”.

Remuneração para todo o serviço docente

Apesar destas alterações, Sofia Lisboa lembra que os bolseiros de investigação têm um tempo limitado para fazer o seu projecto de investigação e entregar as suas teses. E que por isso, para muitos, dar aulas no básico e secundário traria uma sobrecarga enorme, acreditando que isso só será aceite por quem tenha necessidade de complementar o seu rendimento. “Temos uma bolsa que neste momento não dá resposta às necessidades dos bolseiros. Houve uma perda de poder de compra de cerca de 18%.” As bolsas de doutoramento rondam os 1200 euros mensais.

“Não somos encarados como trabalhadores, não temos um vínculo laboral. Há uma série de direitos que não temos durante estes quatro anos, nomeadamente subsídios de férias e de Natal, um período de subsídio de desemprego, as questões de licença de maternidade também não estão totalmente asseguradas, ou os nossos descontos para a Segurança Social”, lembra Sofia Lisboa.

Por agora, a presidente da ABIC diz não ter ideia de quantos bolseiros de investigação poderão querer dar aulas. “O ministro disse que tinha havido já manifestações de interesse, mas não as conhecemos.”

Nesta altura de revisão do Estatuto do Bolseiro de Investigação​, outra das reivindicações dos bolseiros é que esse documento passasse a determinar que todo o serviço docente por eles prestado fosse remunerado, uma vez que há casos de bolseiros que dão aulas em licenciaturas sem serem pagos por isso. “Há muitas universidades que usam bolseiros para dar aulas sem lhes pagar. O ministro mostrou muita sensibilidade em relação a isto e disse que tinha de se encontrar uma formulação para que isto fosse claro. Seria uma vitória importante para muitos bolseiros que dão aulas no ensino superior e têm essas lutas com as direcções das universidades para conseguir ver garantida a sua remuneração”, afirma.

O PÚBLICO questionou o MECI sobre qual será a remuneração dos bolseiros que aceitem dar aulas ao básico e secundário para colmatar necessidades temporárias, mas a tutela escusou-se a dar valores, remetendo para o decreto-lei aprovado na quinta-feira, que só será divulgado após a promulgação pelo Presidente da República.

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