Nas espécies invasoras, a prevenção é chave. “É impossível erradicar muitas delas”

Conferência internacional sobre invasões biológicas, em Lisboa, reuniu mais de 400 especialistas para discutir tema premente: “Os números de novas espécies invasoras têm aumentado exponencialmente.”

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O siluro, também conhecido como peixe-gato, é uma espécies invasoras em rios como o Tejo Daniel Rocha
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O siluro, o lagostim-vermelho-do-luisiana, o capim-das-pampas são três organismos que, em Portugal, representam o grande problema das espécies invasoras, capazes de tomarem conta de habitats, provocarem a diminuição ou extinção local de outras espécies, e terem um impacto social. Apesar de esta ser uma questão antiga, o problema nunca foi tão premente.

“O rácio da invasão de espécies, sob a influência humana, é hoje milhares a centenas de milhares de vezes maior do que antes dos humanos”, diz ao PÚBLICO Anthony Ricciardi, ecólogo especialista em espécies invasoras, da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, que esta semana deu a palestra de abertura da Neobiota 2024, a 13.ª Conferência Internacional sobre Invasões Biológicas, que decorre na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), até esta sexta-feira.

Devido à dimensão do problema, o ecólogo argumentou durante a sua palestra que “as invasões modernas [de espécies] são uma forma de alteração global”. Ao contrário de fenómenos contemporâneos com causas humanas como as alterações climáticas e a perda de biodiversidade, que a Terra já viveu no passado por razões naturais, como se pode verificar a partir dos registos fósseis, Anthony Ricciardi aponta para o grau inédito do transporte de espécies exóticas entre os continentes da Terra, graças à actividade humana.

“Para as invasões, não há nada nos registos fósseis que se aproxime do que está a acontecer agora”, aponta-nos. “A influência humana realmente exacerbou o problema das invasões. Por isso é que digo que as invasões modernas de espécies, em termos de escala, de rácio, de alcance, devem ser consideradas como uma forma de alteração global causada pelos humanos, tal como são as alterações climáticas e as alterações de paisagens.”

Desestabilização de ecossistemas

A maioria das espécies exóticas que colonizam novos habitats não tem um comportamento invasor. Mas há casos de espécies que imediatamente adquirem um comportamento invasor, como os siluros no rio Tejo. Estas espécies, que se tornam invasoras, podem causar alterações na biodiversidade do lugar, no nível populacional das outras espécies, podem alterar propriedades fundamentais do ecossistema, o ciclo dos nutrientes, a produtividade e até ter impacto na saúde humana.

Em Portugal continental, o caso da propagação do mosquito Aedes albopictus, vector dos vírus de chikungunya, da dengue e do Zika, é um exemplo directo do risco das espécies invasoras na saúde humana. De repente, uma dessas doenças, tão comum nos países tropicais, já tem o hospedeiro necessário para poder estabelecer-se cá.

Mas Anthony Ricciardi traz um exemplo mais complexo, de como um invasor, ao desestabilizar o equilíbrio de um ecossistema, cria um risco acrescido para a saúde humana. Em 1967, uma espécie de peixe tucurané (do género Cichla), original da bacia amazónica, alcançou o lago Gatun, no Panamá, após ter sido introduzido por pescadores num rio próximo.

No lago, a nova espécie “matou uma variedade de peixes para os consumir”, diz o ecólogo. Alguns dos peixes eram insectívoros e comiam as larvas dos mosquitos. “Como resultado, a população de mosquitos, que emergiu das larvas, explodiu. Alguns deles eram vectores de malária e, por isso, o risco da malária para as populações que viviam na área aumentou por causa da introdução daqueles peixes”, explica.

Há décadas que Anthony Ricciardi estuda o que se passa nos Grandes Lagos da América do Norte, uma série de enormes massas de água que ocupam os Estados Unidos e o Canadá, que estão conectados por rios e canais tanto ao oceano Atlântico como ao rio Mississípi, e que têm dos maiores níveis de espécies exóticas introduzidas, adianta Ricciardi.

Para o investigador, a chegada de espécies exóticas a um novo ecossistema é uma roleta russa, nunca se sabe quando é que vai aparecer a espécie que se tornará invasora e pode alterar para sempre a dinâmica desse ecossistema. Esse desconhecimento complexifica-se quando se coloca na equação a interacção entre espécies novas, ou o efeito de mudanças ambientais, como aquelas causadas pelas alterações climáticas, em espécies exóticas que até então não tinham um comportamento invasor.

“Pode-se ter espécies que são introduzidas e que parecem não fazer nada, a maioria é assim. Elas podem persistir tal como estão por décadas e alguma coisa acontece que faz com que elas se tornem, de repente, invasoras. Estamos a começar a observar provas disso”, adianta. Este cenário leva ao ecólogo a relacionar a entrada de novas espécies exóticas num ecossistema ao aumento exponencial do impacto que elas podem ter. Daí a importância de travar a introdução de novos organismos.

“Enquanto sociedade, beneficiamos muito de uma redução, mesmo que seja pequena, do risco de invasão de novas espécies, porque vai levar a benefícios desproporcionais”, afirma o investigador, que dá um exemplo que ocorreu nos Grandes Lagos. Desde meados da década de 2000 que passou a haver legislação para impedir que os grandes navios larguem naqueles lagos as águas de lastro – águas que os navios carregam para fazer uma navegação mais estável quando têm menos peso de carga.

“Os navios são seringas inoculando os portos, com organismos que podem potencialmente prosperar nestas situações. O mexilhão-zebra foi trazido para a América do Norte como uma larva em águas de lastro vindas da Europa”, exemplifica Ricciardi. Quando se impôs através de legislação a proibição da descarga das águas de lastro, a situação melhorou. “O rácio da invasão diminuiu mais de 80%, como resultado daquela intervenção aplicada com conhecimento baseado em provas”, diz o ecólogo. “Esta é uma história de sucesso.”

É preciso fazer mais

O mexilhão-zebra (Dreissena polymorpha) já chegou a Espanha há mais de duas décadas e é uma ameaça para os rios e lagos em Portugal. “Este mexilhão-zebra agarra-se a superfícies em água doce e entope canalizações”, diz ao PÚBLICO Pedro Anastácio, biólogo da Universidade de Évora, que pertence ao Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare). Em 2019, foi detectado um foco daquele molusco na bacia hidrográfica do Sado, que foi prontamente eliminado e está a ser monitorizado.

“Nós estávamos relativamente preparados. Por cada ano que nós atrasarmos a chegada desse mexilhão-zebra cá, poupamos milhões de euros”, refere Pedro Anastácio, ecoando as palavras de Anthony Ricciardi. “Há custos pequenos com a prevenção, que podem ser implementados, que evitam depois custos gigantescos com o lidar com estas espécies depois de já cá estarem.”

O investigador estuda espécies invasoras de água doce e está por trás da organização da conferência da Neobiota, juntamente com Filipe Ribeiro, biólogo da conservação e especialista dos sistemas fluviais do Mare, na FCUL, e Paula Chainho, bióloga especialista em espécies invasoras no meio estuarino e marinho, que trabalha no Politécnico de Setúbal e também pertence ao Mare.

“Dentro do Mare tem havido várias pessoas que trabalham em invasões biológicas em ambientes aquáticos. Através de vários projectos também transversais [com outras instituições], começámos a perceber que havia uma grande massa crítica a nível nacional e uma óptima oportunidade para se fazer um congresso internacional sobre este tema”, conta Filipe Ribeiro ao PÚBLICO, justificando a organização do encontro em Lisboa, um dos maiores a nível internacional, que este ano contou com mais de 400 participantes vindos de 50 países. “É uma oportunidade para muitos de nós, investigadores portugueses que trabalham em Portugal, nos reunirmos.”

Para Filipe Ribeiro, este é um tema importante em que é necessário fazer-se mais. “As invasões biológicas são a segunda causa de perda de biodiversidade a nível mundial”, recorda o biólogo. “Os números de novas espécies invasoras têm aumentado exponencialmente.”

Além da frente de prevenção, como já tinha referido Pedro Anastácio, que passa por aumentar a fiscalização nos lugares de entrada daquelas espécies, como os portos, é necessário apostar na gestão ambiental e controlar as que já estão no território português. “É impossível erradicar muitas destas espécies exóticas invasoras, por isso temos que fazer uma gestão ambiental mais forte e melhor em áreas protegidas ou em locais onde existam problemas societais”, diz Filipe Ribeiro. “Tem havido algumas iniciativas, mas são claramente insuficientes.”