Brasileiros caem na malha fina da Autoridade Tributária e têm de pagar multas

Fisco português está cruzando informações para identificar irregularidades nas declarações de cidadãos que vivem em Portugal, inclusive estrangeiros. E tem sido implacável na aplicação de multas.

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A Autoridade Tributária, correspondente à Receita Federal do Brasil, está cruzando dados dos contribuintes, inclusive de brasileiros Daniel Rocha
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A Autoridade Tributária (AT), equivalente em Portugal à Receita Federal do Brasil, está cruzando dados dos contribuintes em solo lusitano e tem encontrado pessoas em dívida com o Fisco local, inclusive brasileiros. A lista de problemas identificados pelos fiscais inclui omissão de informações sobre ganhos financeiros e rendas e erros cometidos na hora de preencher o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

Há brasileiros que já receberam multas da Autoridade Tributária, cobranças que, em alguns casos, estão em fase de contestação. Advogados tributaristas dizem que o Fisco português não está para brincadeira e vem pegando muita gente, independentemente da nacionalidade, na malha fina. Entre os estrangeiros, os brasileiros são destaque por formarem a maior comunidade de imigrantes em Portugal.

A Receita Federal brasileira não tem dados sobre a operação da Autoridade Tributária. “Ainda não temos informações sobre a malha fina por parte do Fisco português”, diz Fernando Mombelli, subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita. Apesar de haver um acordo fechado entre os dois órgãos fiscais para a não bitributação, as trocas de dados praticamente inexistem. Mas Mombelli afirma que “há interesse das administrações tributárias portuguesa e brasileira de ter esse fluxo de informações de lado a lado”.

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Fernando Mombelli, subsecretário da Receita Federal no Brasil, espera que os Fiscos brasileiro e português troquem mais informações Fernando Thompson

O advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto Advogados, relata que está tratando do caso de um aposentado brasileiro que o procurou para uma consulta jurídica por conta de uma convocação que recebeu da Autoridade Tributária para prestar esclarecimentos. Na carta enviada ao cliente, o Fisco luso cobrava explicações sobre o fato de ele ter hábitos de consumo tão altos, mas não ter renda declarada em Portugal. O brasileiro prestou as informações e acertou as pendências com a AT.

A advogada Catarina Zuccaro, do escritório CZAdvogado, relata que um cliente, um militar aposentado no Brasil, lhe pediu ajuda. Ele preencheu a declaração de Imposto de Renda em Portugal e foi surpreendido, tempos depois, com a cobrança de 4 mil euros (R$ 24 mil) de multa. “O problema é que ele já havia pagado imposto no Brasil. O dinheiro que ele traz todos os meses para a conta bancária dele em Portugal já foi tributado. A solução foi refazer a declaração do IRS e pedir a anulação da cobrança do tributo em Portugal”, afirma.

Mais contribuintes

Segundo contabilistas consultados pelo PÚBLICO Brasil, também há casos de portugueses que têm sido chamados a prestar este tipo de esclarecimentos. O fato novo é que, com tantos brasileiros morando em Portugal, eles estão aparecendo na malha fina da Autoridade Tributária. Segundo dados divulgados em 2020, pelo Governo português, vindos do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), naquele ano havia 6,6 mil brasileiros com residência fiscal em território luso.

Para advogados como Fábio Pimentel e outros especialistas, esse número está totalmente defasado, ante a população de brasileiros com alto nível de renda vivendo em Portugal. Somente pessoas oriundas do Brasil com patrimônio líquido superior a 1 milhão de euros (R$ 6 milhões) espalhados pelo território luso passam de 700, pelas contas da Portogallo Family Office, gestora de grandes fortunas com escritórios em Lisboa, São Paulo e Santa Catarina. A Autoridade Tributária portuguesa está ciente dessa realidade.

Na opinião de Catarina Zuccaro, a Autoridade Tributária descobriu um “jeitinho” de cruzar informações de forma legal e rotineira. E faz isso por amostragem. Para ela, dados de consumo, principalmente via cartões de crédito e de débito, em que as notas fiscais incluem o Número de Identificação Fiscal, o NIF (correspondente ao CPF no Brasil), podem ser usados para questionar compras e origens de recursos.

“Em Portugal, fazem um sorteio entre aqueles que declaram o NIF nas compras de grande valor. Por exemplo, quem compra um carro de 50 mil euros (R$ 300 mil) pode ser candidato a participar do sorteio”, ressalta a advogada. “Se o contribuinte não declara nenhum rendimento, mas tem despesas associadas ao seu NIF, a Autoridade Tributária pode notificar esse contribuinte para averiguar o que é que se passa”, acrescenta.

Ela vai além: “Se, porventura, a AT perceber que o titular do NIF não é um dos beneficiados com o título de residente não habitual (RNH), que desfrutam de um conjunto de incentivos fiscais, e não tem rendimentos suficientes para suportar os gastos comunicados, pode ser chamado a dar explicações”. Portado, assinala a advogada, é preciso sempre estar atento a todas as informações para não se cometer erros, mesmo que inadvertidamente, pois a dor de cabeça pode ser grande.

Sem distinção

A brasileira Fernanda, que prefere não revelar o sobrenome por causa do sigilo fiscal, é designer de interiores e trabalha com o mercado imobiliário de imóveis. Ela levou um susto quando descobriu que tinha de prestar contas à Autoridade Tributária de Portugal, mesmo sendo residente fiscal no Brasil. “Faltou informação. Não sabia do prazo de permanência de mais de 182 noites em Portugal em um ano para virar residente fiscal no país. Não sabia que era preciso comunicar a Autoridade Tributária, mesmo declarando Imposto de Renda ao Fisco português”, ressalta.

Para a designer, o fato de declarar IRS em Portugal a desobrigava de optar pela residência fiscal no país. “Infelizmente, a informação não chegou de forma organizada para mim. Eu só encontro dados soltos sobre o tema. E isso é muito ruim”, frisa. O marido dela, Renato, se penitencia por não ter se aproveitado do regime de Residente Não Habitual para pagar menos impostos ao Governo luso. “Perdi essa oportunidade”, complementa ele, que garante estar em dia com a Autoridade Tributária.

Questionado sobre a malha fina que tem pegado brasileiros, o Ministério das Finanças, ao qual a AT está subordinada, informa que “não adota qualquer estratégia ou procedimento de inspeção especificamente dirigida a cidadãos brasileiros, residentes ou não residentes em Portugal, sendo esses cidadãos tratados de forma idêntica aos restantes dos estrangeiros, designadamente quando solicitam a atribuição de número de identificação fiscal (NIF) ou no que respeita ao envio de alertas de apoio ao cumprimento voluntário das suas obrigações fiscais.”

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