Mortalidade infantil nos EUA subiu quando os morcegos desapareceram

Desde 2006, uma doença tem dizimado os morcegos insectívoros nos Estados Unidos. Estudo associa colapso ao maior uso de insecticidas por agricultores e, por sua vez, à subida da mortalidade infantil.

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Os morcegos insectívoros ajudam a controlar as pragas de insectos Paulo Pimenta
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A síndrome do nariz branco foi documentada pela primeira vez em Fevereiro de 2006, numa gruta a algumas dezenas de quilómetros da cidade de Albany, no estado de Nova Iorque. A doença, causada por fungos, afecta 12 espécies de morcegos insectívoros nos Estados Unidos e foi responsável por milhões de mortes destes mamíferos desde então. Agora, um estudo revela que uma consequência deste problema ecológico foi o aumento em 31,1% do uso de insecticidas por agricultores nos locais afectados pela epidemia, aumento esse que, por sua vez, está associado à subida em 7,9% da mortalidade infantil naqueles locais, mostra um artigo publicado nesta quinta-feira na Science.

A descoberta é mais uma prova do valor dos ecossistemas saudáveis para a manutenção dos serviços ecológicos importantes para as actividades humanas. Neste caso, o papel das populações de morcegos insectívoros em diminuírem o risco de pragas que podem afectar a agricultura. E, além disso, o estudo demonstra que as soluções humanas para substituir os serviços da natureza podem provocar novos problemas, alguns deles irreversíveis, como parece ser o caso documentando agora por Eyal G. Frank, o autor do estudo.

“No início, fiquei surpreendido com a magnitude dos resultados, mas a surpresa foi diminuindo quando pensei na mudança não marginal em relação ao nível da população de morcegos. Por outras palavras, os morcegos não estão a diminuir a um ritmo de cerca de três por cento, estão antes a viver colapsos totais nos condados afectados”, descreve ao PÚBLICO o investigador, professor na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e economista ambiental que tem vindo a estudar o impacto da perda de biodiversidade no bem-estar humano. “Acho que este trabalho ajuda a uma avaliação rigorosa de como as interacções entre inimigos naturais ajudam a estabilizar os ecossistemas e, por sua vez, trazem benefícios para nós.”

Perda de vidas e perda económica

Os morcegos insectívoros comem por dia, em média, um número de insectos equivalente a, pelo menos, 40% do seu peso. Milhões de morcegos que saem à noite pelos campos e florestas à procura de traças, moscas e escaravelhos, são uma poderosa ferramenta no controlo das populações daqueles insectos.

Infelizmente, desde o aparecimento da síndrome do nariz branco, o papel daqueles morcegos foi posto em causa numa área cada vez mais vasta dos Estados Unidos. Não se sabe como é que o fungo, Pseudogymnoascus destructans, chegou ao país, mas a espécie existe em morcegos na Europa sem, contudo, produzir o mesmo nível de impacto. O fungo gosta de ambientes frios e ataca as partes expostas dos animais como o nariz, as orelhas e as membranas das asas. O “branco” deve-se ao crescimento fúngico na região do nariz.

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Um morcego Myotis lucifugus com síndrome do nariz branco Ryan von Linden/New York Department of Environmental Conservation

A doença afecta a fase de hibernação dos morcegos, tornando-os irrequietos e fazendo-os acordar. Este efeito, além dos impactos fisiológicos da doença, faz com que os mamíferos gastem muito mais reservas calóricas ao longo do Inverno, provocando a sua morte por subnutrição. “Por volta de 2010, o rácio de mortalidade das populações infectadas oscilou entre 30 e 99%”, lê-se no artigo da Science. Ao mesmo tempo, os estados tomados por este problema foram aumentando.

No trabalho, Eyal G. Frank analisou 1185 condados de 27 estados, dos quais 245 condados foram expostos à doença entre 2006 e 2018. O alastrar do fungo ao longo dos anos permitiu ao investigador analisar e comparar o uso de insecticidas e a mortalidade infantil antes e depois da chegada do fungo a um determinado lugar, e comparar condados expostos à doença com condados a salvo dela.

“Após um grande declínio do nível das populações de morcegos insectívoros, os agricultores compensaram e usaram mais insecticidas, levando a consequências adversas para a saúde – na forma de um maior rácio na mortalidade infantil”, disse o investigador. A quantidade de insecticida usado a mais foi de apenas 2,7 quilos por quilómetro quadrado, mas esse aumento equivale a uma subida de 31,1%. Por outro lado, o aumento de 7,9% na mortalidade infantil correspondeu à morte de mais 1334 crianças, adianta o estudo.

Estes impactos negativos são acompanhados por uma perda económica que o investigador também contabilizou. Mesmo usando insecticidas, as colheitas tiveram um decréscimo de rentabilidade na ordem dos 29%. Estas perdas mais o investimento acrescido em herbicidas e o impacto económico do aumento da mortalidade infantil fez com que “o custo da mortandade dos morcegos para estas comunidades tenha ascendido aos 39,6 mil milhões de dólares [35,73 mil milhões de euros]”, de acordo com o comunicado da Universidade de Chicago sobre o estudo.

Os morcegos ganharam uma má reputação, de serem algo a temer, especialmente após as notícias da possível ligação que tiveram com a covid-19”, aponta Eyal G. Frank, citado no comunicado. “Mas os morcegos têm um valor para a sociedade no seu papel de controlo enquanto pesticidas naturais, e este estudo mostra que o seu declínio pode ser prejudicial para os humanos.”

O estudo reforça, por isso, a importância de se apostar na conservação da natureza, sublinha um artigo publicado na mesma edição da Science, que faz uma análise da investigação e tira conclusões a partir dela para pensar nas políticas de conservação. “Travar a crise da biodiversidade é crucial para manter os muitos benefícios que os ecossistemas providenciam, para os quais os substitutos tecnológicos não podem responder prontamente, ou talvez, nunca”, escreve Ashley E. Larsen, ecóloga da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, e mais dois colegas, que referem por exemplo a Lei de Restauro da Natureza da União Europeia. “Estudos como o de Frank são importantes para compreender os benefícios de se alocar recursos escassos para a conservação da biodiversidade.”