No Dia da Amazónia, o Brasil está coberto de fumo dos incêndios na floresta

Há cada vez menos água na floresta amazónica, o que a vai tornar mais vulnerável ao fogo, disse ministra do Ambiente brasileira. É preciso resolver “paradoxo”: investir para proteger ou destruir?

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Combate a um incêndio florestal no estado do Amazonas Adriano Machado / REUTERS
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O fumo negro, carregado do cheiro queimado das árvores e da vegetação da Amazónia e do Pantanal, está mais uma vez a chegar ao Sul do Brasil, deixando cair grossas gotas de chuva negra em alguns locais. “É importante que o Brasil entenda que o que acontece na Amazónia não fica só na Amazónia”, disse Daniela Orofino, directora do Amazónia de Pé, movimento pela protecção das florestas e povos da região, que reúne 350 organizações, citada pela Folha de São Paulo. O Brasil comemora a 5 de Setembro o Dia da Amazónia a ver a riqueza da floresta arder e contaminar os céus de todo o país.

Os aerossóis dos incêndios monstruosos chegaram à capital, Brasília, e 15 estados brasileiros, coincidindo com alertas laranja do Instituto Nacional de Meteorologia devido a baixos níveis de humidade, diz o jornal Correio Braziliense. A humidade relativa do ar não deve passar dos 20% e há riscos não só de incêndio como para a saúde – segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o limite ideal da humidade do ar é de cerca de 60%.

Tudo isto acontece enquanto o Brasil vive uma seca recorde (à excepção do Rio Grande do Sul, onde em Maio houve cheias catastróficas, tornadas mais prováveis pelas alterações climáticas), para a qual o El Niño do ano passado contribuiu fortemente. A seca está a fazer o caudal dos rios da Amazónia descer tanto que podem chegar em Setembro abaixo dos níveis mínimos históricos, segundo os Serviços Geológicos Brasileiros.

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Já há populações isoladas – uma vez que os rios são as estradas da Amazónia – e paira uma ameaça de mortandade de botos, os golfinhos-cor-de-rosa de água doce, se as águas do Solimões continuarem a secar e a ficar mais quentes. A 2 de Setembro, o nível do lago Tefé era de 6,35 metros, ainda 1,60m acima do mínimo registado em 2023 (4,75m), quando a temperatura das águas chegou a 40,9 graus Celsius e morreram 178 dos 900 botos que ali vivem (segundo dados de 2010).

Segundo o site Terra, a temperatura no fundo do lago tinha já subido na semana passada da média habitual de 30 para 33 graus. “Se chegar a 37, é alerta vermelho. Acima de 39 graus, pode levar botos à morte”, afirmou Ayan Fleischmann, técnico do Instituto Mamirauá.

O problema vai mais fundo, no entanto, do que uma seca anual. “A floresta amazónica está a perder humidade e isso deve tornar a região ainda mais vulnerável a incêndios”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ouvida nesta quarta-feira na Comissão de Meio Ambiente do Senado brasileiro. “Estamos num processo severo de mudança do clima. A floresta está a entrar em perda de humidade e a tornar-se vulnerável a incêndio, seja por ignição humana ou até, no futuro, por fenómenos naturais, em função da incidência de raios”, disse a ministra.

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Manaus coberta pelo fumo dos incêndios Bruno Kelly/REUTERS

Governo tem de apresentar plano

Se a floresta está a mudar, o perfil do fogo está também a alterar-se, e a atingir o coração da Amazónia, avançou Marina Silva. Neste momento, 27% das áreas queimadas são em regiões de agro-pecuária (900 mil hectares). A maior parte (41%) é em regiões de vegetação não florestal, como pastagem. Mas 32% das chamas ocorrem em áreas florestais da Amazónia – uma percentagem muito maior do que se verificava até agora, disse. “Até há pouco tempo, acho que representava, no máximo, 15% a 18%. No [estado do] Amazonas, no ano passado, 37% [dos incêndios] ocorreram em floresta primária”, disse a ministra, citada pelo site G1.

Para mudar esta situação, é preciso aumentar os recursos destinados a adaptação às alterações climáticas. A ministra pediu aos senadores apoio para criar um programa-quadro que exclua os recursos para este objectivo dos limites orçamentais do Governo federal. A situação que se vive actualmente é paradoxal, disse Marina Silva: “Vamos ter de ampliar cada vez mais o nosso esforço. Cobram-nos para ter medidas de combate ao fogo e, ao mesmo tempo, combram-nos para que se faça investimentos que são altamente retroalimentadores do fogo. É um paradoxo”, afirmou a ministra.

Marina Silva não especificou, mas, nas entrelinhas, os analistas lêem o apoio de parte do Governo de Lula da Silva aos projectos de exploração petrolífera na margem equatorial da foz do Amazonas. “Não preciso de citar aqui os empreendimentos”, declarou a ministra.

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Casas que deviam ser flutuantes encalhadas por causa da seca no rio Negro, no estado do Amazonas Bruno Kelly/REUTERS

Há movimentações da justiça para tentar obrigar o Governo a fazer mais. O Ministério Público Federal iniciou uma acção civil contra a União, pedindo verbas urgentes para contratar mais 450 bombeiros florestais e disponibilidade de aeronaves para combate aos incêndios no Norte do país. Flávio Dino, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou nove perguntas à Advocacia-Geral da União (órgão que representa o Governo) sobre os planos do executivo para enfrentar o aumento de queimadas no Pantanal e na Amazónia, quando se espera que Setembro traga um agravamento da situação. O juiz tinha deliberado que o Governo devia reunir várias forças policiais para actuar. O prazo de resposta termina no dia 10.

Antes, no dia 9, o Governo tem de apresentar um novo plano contra o desmatamento na Amazónia, conforme lhe foi ordenado pelo STF em Março. Este já é um prolongamento do prazo inicial. Ninguém nega a dificuldade, até por existir o “paradoxo” de que falou Marina Silva. Mas algum dia o Brasil terá mesmo de perceber que o que acontece na Amazónia não fica lá, como disse Daniela Orofino: “Quando a floresta é derrubada, isso afecta cidades de todo o país, de norte a sul. A gente sente no preço da comida, na conta de energia, na falta de água, nas ondas de calor, nas secas e enchentes extremas", afirmou.