Dois terços do plástico lançado no ambiente vieram de 1,2 mil milhões de pessoas

Em 2020, o planeta foi o receptor de 52 milhões de toneladas de plástico, de acordo com um estudo publicado agora na Nature. Falta de gestão de resíduos a nível mundial é o grande problema.

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Um homem caminha numa praia coberta de lixo em Bombaim, na Índia HEMANSHI KAMANI/REUTERS
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As fotografias de praias cobertas de plástico, onde chega a ser difícil tocar na areia, são comuns quando se faz uma pesquisa sobre a poluição de plástico na Índia. A nação com o maior número de pessoas lançou 9,3 milhões de toneladas de resíduos de plástico para o ambiente apenas em 2020, cerca de um quinto do total de 52 milhões de toneladas de plástico lançado naquele ano, de acordo com um novo estudo publicado nesta quarta-feira na revista Nature.

Parte desse material terá sido queimado de uma forma não controlada, emitindo gases com efeitos nefastos para o ambiente. A outra parte continuará até hoje a seguir um percurso que se adivinha longo: entrando no oceano, transformando-se em pedaços cada vez mais pequenos, podendo ser ingeridos por aves, libertando substâncias nefastas incorporadas naquele material, penetrando nos mais distantes ecossistemas ao longo de décadas. Em suma, mostrando as consequências da enorme produção deste material e da falta de tratamento dos seus resíduos.

“Precisamos de começar a focar-nos muito, muito mais, em lidar com a queima a céu aberto de plástico e com o plástico que não é recolhido, antes de mais vidas serem impactadas, sem necessidade, pela poluição de plástico”, diz Costas A. Velis, da Escola de Engenharia Civil da Universidade de Leeds, no Reino Unido, líder do estudo, citado num comunicado daquela instituição.

O trabalho partiu de dados de municípios sobre a gestão de resíduos e usou a inteligência artificial para processar aqueles dados a partir de informações socioeconómicas. Com isso, obteve um mapa a nível mundial com a quantidade de plástico que é emitido para o ambiente em mais de 50.000 municípios. De fora ficou o plástico exportado por nações como o Japão, os Países Baixos, os Estados Unidos da América e a Alemanha, já que a quantidade tem vindo a diminuir nos últimos anos devido a proibições de importação na China e a novas regras, argumentam os autores.

Em números gerais, dos 251,7 milhões de toneladas de resíduos de plástico produzidos em todo o mundo em 2020, cerca de um quinto, ou seja, 52,1 milhões de toneladas, não foi recolhido nem tratado, avança o estudo. Esta quantidade divide-se em 22,2 milhões de toneladas de pedaços de plástico com mais de cinco milímetros que acabaram no ambiente e outros 29,9 milhões de toneladas que foram queimados a céu aberto. As emissões desta queima não foram contabilizadas no estudo.

Dois terços do plástico que não foi recolhido e tratado foi gerado por 1,2 mil milhões de pessoas, o equivalente a 15% da população mundial, avança o estudo. “O plástico que não é recolhido é a maior fonte da poluição de plástico, com pelo menos 1,2 mil milhões de pessoas a viverem sem serviços de recolha de resíduos e sendo obrigadas a ‘auto-gerirem’ o lixo, frequentemente despejando o lixo na terra, em rios, ou queimando-o a céu aberto”, disse por sua vez Joshua Cottom, primeiro autor do artigo, também da Universidade de Leeds, citado no mesmo comunicado. “Os riscos de saúde resultantes da poluição de plástico afectam algumas das comunidades mais pobres do mundo, que não têm poder para fazer nada sobre esta situação”, alertou.

Números totais versus números por pessoa

O estudo mostra que países do Sul da Ásia, da África subsariana e do Sudeste asiático são os maiores poluidores de plástico. Atrás da Índia, as nações que mais produzem aquele lixo são a Nigéria, com 3,5 milhões de toneladas e a Indonésia, com 3,4 milhões de toneladas. A China, que em análises passadas surgia em primeiro lugar, agora aparece em quarto lugar com 2,8 milhões de toneladas. Esta melhoria “reflecte o uso de informação mais recente e mostra o progresso substancial [da China] em adoptar a incineração dos resíduos e o aterro de lixo controlado”, argumentam os autores, no artigo.

Mas analisando a produção de lixo plástico por pessoa, os números acima ganham novos contornos. “A China, o quarto maior emissor [de plástico] em termos absolutos, é um dos países de rendimento médio-alto menos poluidores, classificado na posição 153 do total dos países, com 1,97 quilos de emissão de plástico [para o ambiente] por pessoa, por ano”, de acordo com o artigo. A Índia está na posição 127, com 6,64 quilos por pessoa. Já na Rússia, que é o quinto país com maior emissão de plástico para o ambiente, cada pessoa polui em média com 11,7 quilos de plástico, já que neste país “são reportados níveis muito baixos de controlo de resíduos” de acordo com o artigo.

Abaixo da emissão para o ambiente de um quilo de plástico por pessoa está a maioria da Europa, incluindo Portugal, a Arábia Saudita, Oman e os Emirados Árabes Unidos, o Chile e o Uruguai, os Estados Unidos e o Canadá, e a Austrália e a Nova Zelândia. Estes países têm uma gestão dos resíduos de plástico, o que diminui a quantidade de lixo que vai parar ao ambiente, de acordo com a investigação.

Por outro lado, a análise per capita também antecipa um problema a médio prazo na África subsariana. Neste momento, muitos países daquela região lançam para o ambiente baixas quantidades de plástico. Mas quando se analisa a produção de lixo plástico por pessoa, o quadro torna-se mais preocupante. “Dado o boom populacional que se antecipa na região, é concebível que, com uma emissão média de 12,01 quilos por pessoa, por ano, a África subsariana se torne a maior fonte de poluição por plástico dentro das próximas décadas”, alerta o artigo.

A equipa argumenta que estes resultados obrigam a olhar para o problema da poluição por plástico e para as possíveis soluções de forma diferente consoante as regiões do mundo. Nos países ocidentais a origem do lixo que vai para o ambiente, e que não é recolhido pelos sistemas de gestão de resíduos, é fruto do comportamento pessoal das pessoas, que atiram o lixo para o chão. Mas a nível mundial, a maioria da poluição de plástico ocorre porque não há sistemas de gestão de lixo. “Ao melhorar a gestão básica de resíduos sólidos, é possível ao mesmo tempo reduzir de uma forma maciça a poluição de plástico e melhorar a vida de milhares de milhões de pessoas”, defendeu Joshua Cottom.

Por outro lado, o estudo revela o problema do plástico queimado a céu aberto. “A queima de resíduos de plástico a céu aberto pode levar a danos significativos na saúde humana incluindo no neurodesenvolvimento, na reprodução e malformações congénitas; e uma muito maior dispersão da poluição ambiental”, apontou Costas A. Velis.

Diminuir a produção

Todos os anos são produzidos mais de 400 milhões de toneladas de plástico. Uma fatia importante deste plástico é de uso único, descartável, cuja reciclagem, quando tem lugar, não dá origem a uma matéria-prima de valor. Além disso, a produção de plástico conta com várias substâncias químicas cujos efeitos ambientais, frequentemente, são desconhecidos. Por isso, muitos investigadores e ambientalistas defendem que é necessária uma grande diminuição na produção de plástico.

Nesse sentido, as conversações para a produção de um tratado para o plástico, sob a égide das Nações Unidas, que têm ocorrido nos últimos anos, revelam o clima de impasse gerado por uma indústria que não quer ver a sua galinha dos ovos de ouro posta em causa.

Até ao final de 2024, o tratado terá de ser criado. A próxima negociação vai ocorrer no fim de Novembro, em Busan, na Coreia do Sul. Neste contexto, o trabalho agora publicado também pode ajudar, defendem os autores. “O novo estudo dá-nos uma base de referência abrangente acerca da natureza, da extensão e das razões que estão por trás dos desafios impostos pela poluição global de plástico, que o tratado pretende abordar”, explica ao PÚBLICO Costas A. Velis, adiantando que ao se conhecer os locais com mais poluição de plástico é possível alocar mais recursos para esses locais.

“Mas, mais importante, [o estudo] dá-nos pela primeira vez uma forma, um método, de obter um ‘inventário de emissões [de plástico]’, tal como foi necessário para as alterações climáticas. Isto vai ao coração do problema: assim podemos monitorizar o progresso de um país ao longo do tempo.”

Para Matthew MacLeod, investigador do Departamento de Ciências Ambientais, da Universidade de Estocolmo, na Suécia, que não fez parte da investigação, mas avalia o trabalho como “estando à parte” de estudos globais da poluição por plástico, devido à sua amplitude e ao facto de ter sido feito à escala dos municípios, os seus resultados denotam a importância do próprio tratado do plástico, argumenta, num artigo de análise sobre a investigação, publicado também na Nature.

“Uma conclusão natural que se retira a partir do [novo] inventário (…) é que é improvável que a gestão dos resíduos feita de uma forma isolada seja uma resposta segura e eficaz ao problema da poluição de plástico”, escreve. “Isto significa que definir metas para limitar a produção e consumo de plástico virgem vindo das matérias-primas dos combustíveis fósseis é a única estratégia racional para lidar com a poluição de plástico no ambiente global. Essas metas têm de ser incluídas nas negociações do tratado em Busan, em Novembro.”