Netanyahu tem Gaza e os EUA na mão

Benjamin Netanyahu diz que quem mata reféns, numa alusão ao Hamas, não pretende chegar a um acordo. Mas Netanyahu algum dia pretendeu chegar a um acordo?

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O cessar-fogo em Gaza não é do interesse do governo extremista de Israel, nem é do interesse da liderança extremista do Hamas. O primeiro vai sacrificar os reféns que tiver de sacrificar até atingir o objectivo de eliminar Yahya Sinwar, o líder político do movimento palestiniano. Sinwar vai continuar a sacrificar a população palestiniana até à decapitação do movimento e rejeitar qualquer rendição em nome da sua honra e destino de mártir.

Benjamin Netanyahu diz que quem mata reféns — atribuindo ao Hamas o homicídio dos seis israelitas encontrados, neste domingo, nos túneis de Gaza — não pretende chegar a acordo. Mas Netanyahu algum dia pretendeu chegar a um acordo?

Israel assassinou o líder político do movimento palestiniano com quem estava a ser negociado um cessar-fogo, tido como um dos seus dirigentes mais dialogantes e menos radical, e fê-lo em Teerão. Isto só pode querer dizer duas coisas: a morte de Ismail Haniyeh era uma forma de matar um acordo, quem o substituiu foi o homem que dirige a guerra, Sinwar, e de atrair o Irão para um conflito directo.

Não restam dúvidas. As razões para que “Bibi” queira prolongar e alastrar o conflito são conhecidas e prendem-se com a sua sobrevivência política e com a tentativa de atrair os EUA para o vespeiro do Médio Oriente com um argumento chamado Irão.

Mas surpreende que Netanyahu e o governo de extrema-direita que governa Israel em coligação, na qual participam ministros que defendem abertamente o extermínio de todo um povo, consiga sobreviver a tudo e a todos, quer dentro do país quer fora dele.

Não nos podemos esquecer que o primeiro-ministro israelita teve de recuar na sua anunciada reforma da justiça, que mais não era do que a tentativa de a politizar, eliminando princípios básicos do Estado de direito, como forma de se proteger dos casos de corrupção de que é suspeito. Foi a força das ruas que o fez parar.

O que o pode fazer parar, neste momento, ou é um grande movimento de contestação popular, tendo como ponto de partida a gigantesca manifestação deste domingo, seguida da greve geral desta segunda-feira, ou a ruptura da sua coligação.

Caso os protestos não se repitam, com a dimensão e intensidade com que se repetiram durante a chamada “reforma judicial”, isso só pode significar que a maioria israelita ou está fatigada e desinteressada ou que subscreve a política seguida por Israel desde 7 de Outubro: acumulação de civis mortos, castigo da população totalmente em níveis atrozes, aproveitamento para a expulsão dos habitantes da Cisjordânia e para a expansão de colonatos, ataques a hospitais, escolas, campos de refugiados ou organizações humanitárias da própria ONU.

Um povo cujo primeiro-ministro é acusado da prática de crimes de guerra tem de estar em guerra com o seu próprio governo. A desistência é uma opção política.

Na ausência da pressão interna, não se espera que a coligação se fracture por razões humanitárias ou pela exigência de um cessar-fogo que, entre outros resultados, devolvesse a Israel os reféns na posse do Hamas. Ben Gvir e Smotrich derrubariam o governo pela razão oposta, se e apenas considerassem que Netanyahu tivesse ido longe de mais nas suas cedências.

A pressão externa para um cessar-fogo caberá, integralmente, aos EUA, uma vez que a União Europeia se mantém apática e cobarde. Cada dia que passa, cada vez que morre alguém em Gaza, a Europa perde toda a autoridade para falar de valores, ética e afins. Joe Biden e Kamala Harris gostariam de conseguir um cessar-fogo até ao final do mandato, mas o seu comportamento errante não garante que isso venha a acontecer.

Os EUA tanto são capazes de afirmar ser necessário acabar com a guerra e defender a solução dos dois Estados como a seguir anunciar milhões de dólares de ajuda militar. Têm-no feito com demasiada regularidade e displicência, o que mina a credibilidade de uma potência que criou o conceito de direito de intervenção humanitário.

Nesta segunda-feira, o presidente reuniu o seu conselho de segurança na Casa Branca para analisar a situação e deixou escapar o desabafo de que Benjamin Netanyahu podia fazer muito mais para garantir esse acordo. O desabafo de Biden é fraqueza. Os EUA pretendem apresentar um acordo final, nas próximas semanas, que, caso não tenha sucesso, levaria Washington a abandonar as negociações.

Um acordo “pegar ou largar”, se não for associado ao fim da ajuda militar dos norte-americanos, não é uma proposta para levar a sério. Será um convite à destruição completa dos territórios de Gaza e Cisjordânia e ao extermínio e expulsão da população. “Bibi” não tem feito nada mais do que ganhar tempo, fingindo negociar enquanto Biden era poderoso, como disse ao PÚBLICO o cientista político francês Giles Kepel, autor de Holocaustos. Agora, já nem sequer é preciso fingir.

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