Um ano depois do referendo histórico em que cerca de 60% dos cidadãos do Equador votaram a favor de pôr fim à exploração petrolífera numa área de biodiversidade única da Amazónia e onde ainda vivem tribos isoladas, o Parque Nacional Yasuní, o Governo iniciou apenas o encerramento do primeiro dos 247 poços de petróleo de um dos blocos de exploração no parque. O processo deve demorar mais de cinco anos.
O referendo de 20 de Agosto de 2023 foi saudado pelos ambientalistas e pelas comunidades indígenas como uma vitória para a protecção de uma das regiões mais ricas em biodiversidade do mundo e um raro exemplo de uma economia que opta por se afastar dos combustíveis fósseis, mantendo o petróleo na terra.
Mas os líderes indígenas (há sete comunidades indígenas no Yasuní, local que é reserva da Biosfera da UNESCO) dizem que o Governo tem sido lento a fechar os poços na nação sul-americana, muito dependente das exportações de petróleo.
O Governo equatoriano iniciou o processo de encerramento dos poços de petróleo no bloco 43-ITT (as iniciais de Ishpingo, Tampococha e Tiputini), que está localizado numa vasta reserva natural. O Ministério da Energia informou, em comunicado, que encerrou um dos 247 poços do bloco, o poço Ishpingo B-56, no âmbito de um plano que deverá demorar cerca de cinco anos e meio. Os activistas dizem, no entanto, que o poço já tinha deixado de funcionar em Junho.
Os loteamentos petrolíferos são anteriores à classificação como reserva natural do Yasuní, e o facto de se estimar que ali existem 846 milhões de barris de petróleo faz com que o Equador não consiga virar costas facilmente à possibilidade de extrair aquele crude. Ali ficam 19% das reservas comprovadas de petróleo do Equador.
Fazer outros países pagar
O Governo de Rafael Correa, antes de abrir a zona à exploração petrolífera, tentou fazer com que outros países pagassem ao Equador para manter o petróleo na terra, sem ser explorado – o que nunca deu certo.
No entanto, uma análise feita em 2010 por cientistas norte-americanos e do Equador concluiu que o Yasuní é tão especial porque ali se sobrepõem quatro zonas de biodiversidade recorde em termos mundiais: de anfíbios, aves, mamíferos e plantas vasculares (árvores e outras plantas com lenhina, como as lianas). Em 0,5% da bacia Amazónica concentra-se grande parte da variedade de espécies da floresta: 137 de anfíbios, 211 de mamíferos, 601 de aves e mais de 4000 espécies de plantas vasculares. Um hectare de floresta de terra firme no Yasuní deverá ter mais de 655 espécies de árvores e mais de 900 espécies de plantas vasculares.
O Tribunal Constitucional do Equador decidiu no ano passado, após o referendo, que a empresa estatal Petroecuador tinha um ano para remover as infra-estruturas do bloco e iniciar a recuperação da zona da floresta afectada.
A floresta amazónica absorve grandes quantidades de dióxido de carbono da atmosfera, pelo que a sua preservação é fundamental para moldar o clima da Terra e é uma arma vital para desacelerar as alterações climáticas.
Mas o Governo afirmou que o processo será muito mais demorado.
"Cumprir o encerramento da ITT não é tarefa fácil", afirmou o ministro da Energia, António Gonçalves, no comunicado. Segundo o Governo, os poços deverão ser desactivados até Dezembro de 2029, mas a remoção de todas as infra-estruturas do bloco poderá demorar até Agosto de 2030.
A Petroecuador tem extraído cerca de 58.000 barris por dia (bpd) no bloco 43-ITT desde o início das operações, em 2016. A produção total de petróleo bruto no país é de cerca de 480.000 bpd, de acordo com dados oficiais.
Continua a ser extraído petróleo na área e todas as promessas de acção do Governo produziram poucos progressos, afirmaram os líderes indígenas.
"É muito preocupante. A maquinaria ainda está lá. Onde está o compromisso do Governo? ", disse Nemonte Nenquimo, uma líder do povo indígena Waorani, cujas terras ancestrais ficam na floresta Yasuní.
"Já passou um ano e o governo não cumpriu a sua obrigação", disse Nenquimo à Reuters.
O Governo esforça-se por mostrar que está a intensificar os seus esforços para se retirar de todas as actividades petrolíferas na zona. Num comunicado de 20 de Agosto, afirmou que "o seu compromisso de honrar a decisão (do referendo) permanece firme".
Mas o Governo procura sublinhar os custos do fim da extracção de petróleo no Yasuní, que pode ser superior a 1300 milhões de dólares (cerca de 1177 milhões de euros), de acordo com uma estimativa apresentada ao Tribunal Constitucional.
"O Governo está a ridicularizar o referendo público ao dizer que o processo é complexo e dispendioso e que pode demorar entre três a cinco anos", disse Fernando Muñoz, porta-voz do Yasunidos, um grupo ambiental equatoriano, que começou a insistir no referendo há uma década.
Presidente sugere adiamento
O Equador produz cerca de meio milhão de barris de crude por dia e as receitas do petróleo representam quase 3% do Produto Interno Bruto.
A redução destes fundos atormenta o Presidente Daniel Noboa, que enfrenta desafios urgentes de segurança interna. Em Janeiro, declarou que o Equador estava em guerra com grupos criminosos.
Noboa lançou a ideia de adiar o encerramento dos poços de petróleo no Yasuní, invocando a necessidade de financiar a luta contra a violência dos gangues que traficam drogas.
"Numa altura em que o país enfrenta crises económicas e de segurança, a indústria petrolífera e os seus apoiantes no Governo têm feito grandes esforços para ignorar o voto popular", disse Mitch Anderson, co-fundador do grupo de defesa Amazon Frontlines.
Há décadas que grupos indígenas fazem campanha para manter as companhias petrolíferas fora do seu território, de modo a proteger a natureza amazónica, juntamente com várias comunidades que vivem na região do Parque Yasuní em isolamento voluntário.
Afirmam que as comunidades indígenas não beneficiaram do petróleo e que a construção de estradas e plataformas levou à desflorestação e a danos ambientais, quer se trate de derrames de petróleo ou de poluição atmosférica.
"O Yasuní é um território de grande biodiversidade. O que acontece aqui afecta a crise das alterações climáticas e o planeta", afirmou Ene Nenquimo, vice-presidente da Nação Waorani do Equador, uma das várias organizações indígenas que exigem acção.
Povos indígenas ficam fora das decisões
Em Maio, o governo criou uma comissão ministerial para supervisionar o encerramento; o painel inclui a Petroecuador, mas os povos indígenas não tiveram lugar à mesa.
"Como proprietários da terra, o Governo deveria perguntar a nós, Waorani, o que acontece na nossa terra", disse Ene Nenquimo.
Peritos das Nações Unidas têm apoiado os apelos à acção para cumprir o resultado do referendo, instando o Governo equatoriano a "pôr em prática urgentemente a vontade do povo".
"O Equador deve dar prioridade à protecção do clima, do ambiente e dos povos indígenas que dele dependem e afastar-se de um modelo económico baseado no esgotamento dos recursos naturais e na extracção de combustíveis fósseis", afirmou um grupo de peritos da ONU num comunicado de 20 de Agosto.
A Petroecuador afirmou que o fim da exploração no Yasuní custaria ao Equador cerca de 13,8 mil milhões de dólares (cerca de 12,5 mil milhões de euros) em duas décadas e reduziria 12% da produção de petróleo do país.
As perdas de receitas petrolíferas poderão ser parcialmente compensadas por uma reforma fiscal abrangente, "baseada no princípio de que aqueles que ganham mais devem pagar mais impostos", disse Muñoz, da Yasunidos.
"Deveria haver um debate público aberto sobre a necessidade de efectuar uma transição justa e sobre a forma de sustentar uma economia sem petróleo à medida que as reservas se esgotam", acrescentou.
As organizações indígenas estão a considerar a possibilidade de levar a questão à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos para garantir que o governo cumpra o resultado do referendo.
" Não nos vamos sentar de braços cruzados", disse Ene Nenquimo.