Inspecção-Geral de Finanças conclui que TAP foi comprada com empréstimo com garantia da própria empresa

Inspecção recomenda envio do relatório ao Ministério Público. Em causa está a compra da TAP pelo consórcio de David Neeleman, em 2015, numa operação vinculada à aquisição de 53 Airbus pela empresa.

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A TAP foi comprada com um empréstimo da Airbus vinculado à compra, pela companhia, de 53 aeronaves à construtora, conclui a Inspecção-Geral de Finanças Miguel Manso
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O relatório da auditoria da Inspecção Geral de Finanças (IGF) às contas da TAP concluiu que a compra de 61% da companhia aérea ao Estado, em 2015, por um consórcio liderado por David Neelman foi financiada com um empréstimo de 226 milhões de dólares concedido pela Airbus, com a compra de 53 aviões à construtora pela TAP como contrapartida, e com a companhia aérea portuguesa a prestar garantia por esse crédito. Ou seja, a IGF estabelece que a TAP foi comprada com garantia da própria TAP.

A notícia das conclusões do relatório à "Auditoria às contas da TAP SA e da TAP SGPS, SA" da IGF foi avançada esta segunda-feira pela SIC e confirmada pelo PÚBLICO, que teve entretanto acesso ao documento. O relatório detalha um sistema criado para contornar o código das sociedades comerciais, que impede uma empresa de conceder empréstimos ou fundos a um terceiro para que este compre acções suas. A IGF entende que o processo deve ser comunicado ao Ministério Público para uma eventual investigação criminal.

Contudo, as suspeitas sobre o negócio da compra de aviões e a sua relação com alienação do capital da TAP já são notícia há dois anos. A compra dos aviões foi, recorde-se, alvo de um inquérito aberto em Fevereiro de 2023, pelo DCIAP - Departamento Central de Investigação e Acção Penal, na sequência de uma participação do Ministério das Infra-estruturas, anunciada em Outubro de 2022, pelo então ministro Pedro Nuno Santos. A decisão então tomada teve por base uma auditoria interna da TAP, em que uma análise legal - preparada para a transportadora aérea, em Agosto de 2022, pela sociedade de advogados Serra Lopes, Cortes Martins & Associados, noticiou na altura o Eco - sustentava que teria sido a própria TAP, com capital público, e não o consórcio privado formado por David Neeleman e por Humberto Pedrosa (a sociedade Atlantic Gateway), quem suportou o custo da capitalização da companhia no âmbito da privatização, no montante de 226,75 milhões de dólares.

VEM leva a perdas de 900 milhões

No relatório agora conhecido, a IGF indica que a operação era do conhecimento da Parpública - a holding pública que agrega as participações empresariais do Estado - e dos responsáveis das Infra-estruturas e das Finanças do Governo de Pedro Passos Coelho.

A pasta das Finanças pertencia em 2015 a Maria Luís Albuquerque, agora a caminho de Bruxelas, por proposta do Governo português para as funções de comissária europeia no próximo executivo europeu. O secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações era Sérgio Monteiro, sob a tutela do então ministro da Economia, António Pires de Lima. O secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações era Sérgio Monteiro, sob a tutela do então ministro da Economia, António Pires de Lima.

O relatório da IGF é ainda crítico de duas outras operações: um contrato de prestação de serviços da TAP, já privatizada, com uma empresa de David Neeleman que alegadamente terá servido para pagar remunerações e prémios ao empresário e a Humberto Barbosa sem os declarar como tal às Finanças, e o investimento na VEM Brasil, empresa de manutenção da antiga Varig, que resultou em perdas de 906 milhões de euros, e para o qual os inspectores não encontram racionalidade económica.

Esta auditoria foi pedida em Outubro de 2023, pelo então ministro das Finanças Fernando Medina, na sequência da comissão parlamentar de inquérito à gestão da transportadora aérea. Visava especificamente os negócios como a compra de aviões pelo ex-accionista David Neeleman e o negócio da manutenção e engenharia no Brasil (ME Brasil).

A auditoria da IGF foi uma das recomendações do PCP, que foi acolhida no relatório da CPI pela autora, a deputada socialista Ana Paula Bernardo. Os comunistas recomendaram que se “realize com carácter de urgência uma inspecção e auditoria, através da IGF, às contas da TAP SGPS e TAP SA”. O objectivo do PCP, citava em Outubro passado a Lusa, era que apurasse “cabalmente todos os pagamentos e contratos relacionados com os negócios de compra e actividade da TAP ME Brasil; os pagamentos feitos pelo Grupo TAP à Airbus; às empresas de David Neeleman e ao próprio; à Atlantic Gateway; ao Grupo Barraqueiro e a Fernando Pinto; o valor e os motivos de todos os contratos de consultoria pagos pela TAP (solicitados ou não) desde 2005”.

Além do "processo de privatização da TAP e sua relação com os contratos de aquisição de 53 aviões A320/A321 e A330 à Airbus em 2015", há ainda outra "matéria" que a IGF pede a atenção do MP: as "remunerações dos membros do conselho de administração da TAP".

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