Os bilhões em investimentos brasileiros que movimentam a economia de Portugal

Desembolsos realizados por empresas e pessoas físicas para montar o próprio negócio estão criando empregos e contribuindo para a Segurança Social. Empresas portuguesas também investem no Brasil.

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A construção do World Trade Center em Lisboa demandou investimentos de 120 milhões de euros de um grupo liderado por um brasileiro Arquivo pessoal

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Estudos do Banco de Portugal e da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) mostram que o estoque de investimentos brasileiros diretos (IED) em Portugal chegaram, em 2023, a 5,3 bilhões de euros (R$ 31,8 bilhões), com alta de 10% na comparação com o ano anterior. Pelos cálculos da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), que não consideram os desembolsos feitos por subsidiárias de empresas brasileiras no exterior, esse estoque cravou, no mesmo período, 4,3 bilhões de euros (R$ 25,8 bilhões).

Entre 2013 e fevereiro deste ano, as empresas brasileiras anunciaram mais de 330 milhões de dólares (R$ 1,8 bilhão) em investimentos em Portugal, sendo a Amil, da área de saúde, e a WEG, de motores, responsáveis pelos maiores desembolsos. O território luso foi o principal destino dos investimentos brasileiros na Europa, com 35 projetos novos e sete fusões e aquisições (M&A). Mesmo com esses valores expressivos, Portugal ainda ocupa um modesto 16.º lugar entre os destinos de investimentos produtivos brasileiros no mercado internacional.

Por outro lado, os investimentos de Portugal no Brasil bateram recorde e atingiram 13,8 bilhões de dólares (R$ 82,8 bilhões) em 2022, o melhor resultado em 10 anos. Em média, o IED lusitano cresceu 16,4% ao ano, entre 2015 e 2022. Portugal detém 1,3% dos investimentos estrangeiros no Brasil, na 19.º posição do ranking. Entre 2013 e fevereiro de 2024, segundo a Orbis BvD, o território brasileiro foi o 5.º principal destino dos desembolsos feitos por empresas portuguesas. Ao todo, foram mais de 1 bilhão de dólares (R$ 5,6 bilhões). A maior parte desse montante partiu de três companhias: Energias de Portugal Renováveis, Grupo Secil (fabricação de cimento) e Evertis (fabricação de plásticos).

Apetite continua

A disposição das empresas brasileiras em investir em Portugal se mantém firme. Tanto que a Embraer anunciou que aplicará 90 milhões de euros (R$ 540 milhões) para a ampliação do parque de montagem de aviões, o que triplicará o faturamento da OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal), empresa da qual detém 65% do capital e o Estado de Portugal, 35%. Os recursos darão suporte para a montagem dos aviões Super Tucano A-29, dentro dos parâmetros fixados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Também o paulista Luciano Montenegro Menezes, que fez um movimento ousado ao comprar a marca World Trade Center (WTC) para fincá-la em Lisboa, se prepara para ampliar as operações em Portugal. A meta é construir um novo WTC no país e o destino indicado até agora pelos estudos é o Porto. “Outras cidades de Portugal podem receber um complexo do WTC, tudo vai depender da viabilidade econômica”, afirma.

Menezes conta que investiu na licença do negócio, do qual é CEO, fechando parcerias com um incorporador, com promotores e investidores. O desembolso para que o centro empresarial, de 70 mil metros quadrados, ficasse de pé foi de 120 milhões de euros (R$ 720 milhões). A nova etapa do projeto prevê a inclusão de um hotel e de um centro de convenções.

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Além das empresas, pessoas físicas têm remetido dinheiro do Brasil para Portugal para investir no próprio negócio Mario Cruz/ EPA

Dinheiro de imigrantes

Não são apenas as empresas que estão trazendo recursos para Portugal, ajudando a movimentar a economia, gerar empregos e reforçar o caixa da Segurança Social portuguesa, equivalente à Previdência do Brasil. Levantamentos realizados pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central do Brasil apontam que, entre 2010 e junho deste ano, pessoas físicas (residentes e pequenos investidores) transferiram do território brasileiro para o outro lado do Atlântico mais de 2,5 bilhões de euros (R$ 15 bilhões). Para 2024 como um todo, as remessas devem bater em 135 milhões de euros (R$ 810 milhões).

Segundo o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), entre os estrangeiros que residem em Portugal, apenas em 2020, 65% dos novos negócios foram criados por cidadãos brasileiros. Cerca de 75% destes empreendimentos são liderados por mulheres brasileiras, geralmente, pequenos negócios online e de prestação de serviços à distância.

O mesmo estudo do Alto Comissariado indica que empresas controladas por brasileiros em Portugal se tornaram as principais empregadoras de imigrantes no país. Do total de contratações de estrangeiros, 26,7% são feitas por empresários oriundos do Brasil. Os trabalhadores estrangeiros se tornaram pilares para a sustentabilidade da Seguridade Social, com aportes de 1,8 bilhão de euros (R$ 10,8 bilhões) em 2022, dos quais quase 700 milhões de euros (R$ 4,2 bilhões) vieram dos brasileiros.

Sandra Utsumi, diretora executiva do Haitong Bank, destaca que os volumes de investimentos diretos e de remessas pessoas feitos por brasileiros em Portugal são um claro retrato do grande fluxo da emigração do Brasil para terras lusitanas. Já as empresas portuguesas buscam crescimento fora, quando observam que o potencial doméstico é limitado. Os grupos lusos querem mercados com escala ou que tenham potencial no setor de atuação, neste cenário, o Brasil despontam com força.

“O desafio para o IED brasileiro em Portugal está no objetivo final, pois se trata de um mercado sempre limitado (tamanho do PIB e potencial de crescimento a longo prazo)”, afirma. Na avaliação dela, há outro ponto a ser considerado: o mercado Ibérico é dominado pelas empresas espanholas, que são competitivas dentro do contexto europeu e da América Latina, incluindo o Brasil. “Portugal tem a vantagem de ser um mercado de entrada para a União Europeia, que, por sua vez, vem atraindo a atenção de outros países, principalmente, a China”, complementa.

Novas tecnologias

Na opinião da economista, os investimentos estrangeiros são sempre bem-vindos em qualquer país, pois trazem novas tecnologias, capital para empresas com potencial de expansão (doméstica e internacional). Esses recursos também podem suprir deficiência em setores específicos, como os de saúde e bem-estar, lazer, educação e segurança privada.

Para se ter ideia da importância do montante que os brasileiros pessoas físicas remeterão para Portugal em 2024, os 135 milhões de euros são mais do que suficientes para pagar quatro vezes a folha de pessoal da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), que, no orçamento deste ano, é de 30 milhões de euros (R$ 180 milhões).

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Lu Marinho decidiu se fixar em Braga, terra do avô, e investiu em uma empresa de design interior Arquivo pessoal

A carioca Lu Marinho, 60 anos, é um exemplo de adaptação e de sucesso em terras portuguesas. Ela começou a carreira profissional no Brasil como professora e advogada, antes de se reinventar como designer de interiores em São Paulo. Lu mudou-se para Braga, em Portugal, em 2021, depois de passar um tempo em Miami, onde criou um canal de sucesso no YouTube e fez gestão de projetos de design.

A decisão de escolher Braga para viver foi inspirada pelas raízes de seu avô. Na cidade, a brasileira encontrou um ritmo de vida mais calmo e uma nova direção para sua carreira. Com um investimento significativo, adquiriu um apartamento e tornou-se co-proprietária do restaurante Oboé. O espaço, próximo ao Teatro Circo, tornou-se um centro cultural e gastronômico, promovendo eventos variados.

Os desafios enfrentados por Lu incluem a resistência em um setor tradicionalmente dominado por homens e a necessidade de se adaptar às normas locais. No entanto, ela tem superado as barreiras com criatividade e dedicação, trazendo uma perspectiva brasileira ao mercado e contribuindo para a vida cultural de Braga.

Força do consumo

Em 2019, ao chegar a Portugal, os médicos obstetras Giusella de La Torre, 40 anos, e Fabiano Vasconcelos, 51, perceberam que teriam de conviver com uma realidade muito diferente da que tinham em Porto Alegre. Os dois são pais de Laura, 13, e Alice, 11. Gaúchos, com nacionalidade italiana, trocaram de país em busca melhor qualidade de vida.

A cidade escolhida para receber a família também foi Braga, que eles consideram de um tamanho médio. “Ela não é enorme, mas ela também não é pequena. Tem universidade, hospitais e uma boa vida cultural”, diz Giusella. O casal investiu na Torre Vasconcelos Serviços Médicos, empresa focada no tratamento da saúde da mulher. Entre a aquisição de imóveis, consumo e a empresa, os dois estimam que já transferiram do Brasil para Portugal perto de 500 mil euros (R$ 3 milhões).

“Nossa contribuição vai além do mercado imobiliário. Com o pagamento significativo de impostos, consumo de serviços privados, como a escola das nossas filhas, acho que estamos, sim, ajudando no desenvolvimento econômico de Braga e de Portugal”, diz Giusella.

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O casal Carol Wenke e Luís Felipe Feltrim fundou, em Lisboa, a CW Design & Reformas, com investimentos de 30 mil euros Arquivo pessoal

Luis Felipe Feltrim, 48, e a mulher, Carol Wenke, 45, fundaram, em Lisboa, a CW Design & Reformas. Casados desde 2005, os dois têm duas filhas, Maria Fernanda e a Maria Clara. Carol formou-se, no Brasil, em odontologia e Luís, em economia. O tempo passou, Carol se especializou em design e graduou-se em arquitetura. Ao desembarcarem em Portugal, em 2018, a experiência acumulada por ela nessas áreas ao longo de 15 anos foi decisiva para que, um ano depois, abrissem a empresa que recebeu investimentos de 30 mil euros (R$ 180 mil).

Outro morador de Braga, o advogado carioca Bruno Gutman, 44, chegou a Portugal pouco antes da pandemia do novo coronavírus. Especializado, no Rio de Janeiro, em direito esportivo, seguiu por caminhos bem diferentes quando pisou em solo lusitano. À medida que foi se ambientando no novo país, viu uma série de oportunidades de negócios. Hoje, seus investimentos em Portugal superam 1 milhão de euros (R$ 6 milhões) na área de reciclagem, promovendo a sustentabilidade e gerando novos empregos.

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