Brasileiras denunciam assédio sexual nas rodas de samba em Portugal

Várias mulheres estão deixando de frequentar as rodas de samba para não serem importunadas. Organizadores das batucadas admitem o problema e prometem agir contra os abusadores. Assédio é crime.

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Mulheres brasileiras estão sofrendo assédio sexual em várias rodas de samba e reclamam da falta de ação para conter esse crime Vicente Nunes
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Um grupo de mulheres brasileiras decidiu encarar o que consideram uma violência inaceitável contra elas: o assédio sexual nas rodas de samba em Portugal. O movimento começou depois que a arte-educadora e artista plástica Paula Erber relatou, em uma rede social, ter sido assediada por um grupo de homens durante uma batucada nas proximidades do Cais do Sodré.

A importunação foi tamanha que ela e mais duas amigas foram obrigadas a abrir mão da diversão. “Foi um ataque inaceitável. Isso não pode continuar acontecendo. As mulheres têm o direito de ir a uma roda de samba, sozinhas ou acompanhas, sem serem incomodadas”, diz.

A denúncia de Paula foi endossada por pelo menos 20 mulheres, o que obrigou os organizadores do Samba Colaborativo — Márcio Lima e Júlio Brechó — a se posicionarem publicamente. “Infelizmente, os relatos de assédio no samba têm sido cada vez mais frequentes”, afirma Brechó. Para ele, muito dos ataques que as brasileiras vêm sofrendo quando querem apenas se divertir decorre de um estereótipo que se propagou de que as mulheres do Brasil são todas prostitutas.

“É preciso acabar com isso urgentemente”, enfatiza. O músico admite que essa imagem degradante das mulheres foi propagada, inclusive, pelo carnaval brasileiro, ao mostrá-las, em campanhas internacionais, sempre em trajes mínimos.

Paula acredita que o assédio nas rodas de samba em Portugal não é caso de segurança pública, mas de educação e cidadania. “Não é proibindo as rodas de samba que se resolverá o problema. É preciso desenvolver um mecanismo que combata esse desrespeito às mulheres. No Rio de Janeiro, por exemplo, há vários códigos. Uma mulher que esteja sob ataque pode pedir um drinque chamado Maria da Penha, que será automaticamente socorrida e, se necessário, as forças de segurança são acionadas”, ressalta.

Maria da Penha dá nome a uma lei de proteção às mulheres no Brasil. Ela quase foi morta pelo então marido. A violência foi tanta, que Maria da Penha ficou paraplégica.

Machismo estrutural

Brechó reconhece a necessidade de um trabalho de conscientização. “Temos de fazer um movimento de desconstrução dessa imagem terrível que criaram das mulheres brasileiras. A ação não deve se limitar ao público estrangeiro, deve incluir, também, os próprios brasileiros. O machismo estrutural é muito forte. Eu cresci acreditando que certas atitudes eram normais, mas, agora, percebo que é preciso mudar essa estrutura”, explica.

Para o músico, é triste saber que pessoas deixaram de ir ao samba por se sentirem ameaçadas. "Precisamos realmente fazer algo a respeito, uma ação coletiva para combater essa realidade”, complementa.

O também músico Diogo Presuntinho, do Lisbloco, vê necessidade de uma ação rápida contra o assédio. “As mulheres têm todo o direito de se divertirem. Elas não podem se sentir inseguras em um local público só porque são mulheres. Os responsáveis por todas as rodas de samba têm a obrigação de se juntarem para enfrentar esse crime, pois assédio é, sim, crime”, assinala.

A cantora e cavaquinista Kali Peres, do Gira Coletivo, formado só por mulheres, diz que, ao menor sinal de assédio nas apresentações do grupo, o homem é retirado do local. “Não há a menor possibilidade de compactuarmos com esse crime”, frisa.

Segundo Paula, ela teve coragem de tornar público o assédio que sofreu para forçar um debate sério sobre o assunto, que leve a soluções concretas. As duas amigas que estavam com ela durante a importunação preferiram não aparecer para não causar preocupação a seus familiares. Uma delas vive no Brasil, a outra, em Lisboa.

“A luta contra o assédio e o machismo é um passo fundamental para a transformação cultural e social. Por meio da colaboração e do diálogo, esperamos construir um ambiente que respeite e valorize cada indivíduo, independentemente de gênero”, acrescenta Brechó.

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