O amor – ou, pelo menos, o sexo – é cego para os machos da mosca-da-fruta

Estudo, publicado na revista Nature, revela que o neurotransmissor dopamina tem um papel preponderante no alheamento dos machos diante do perigo.

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Drosophila immigrans Katja Schulz https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/
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“O amor é cego”: o ditado popular é repetido com alguma frequência para se referir aos defeitos (e não só) que uma determinada pessoa ignora no seu par romântico quando está apaixonada. Agora, um estudo revela que o ditado tem algo de verdade pelo menos no que diz respeito às moscas-da-fruta: isto porque os machos tornam-se alheios ao perigo físico quando se dedicam ao namoro e ao sexo.

Uma equipa de investigadores, coordenada pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido, demonstrou que a procura por uma mosca-da-fruta (Drosophila) fêmea faz com que o macho ignore ameaças, como potenciais predadores.

No estudo, publicado esta quarta-feira na revista Nature, a equipa mostra pela primeira vez as redes neuronais no cérebro da mosca que dirigem este processo de tomada de decisão, revelando que o neurotransmissor dopamina tem um papel preponderante neste alheamento dos machos diante do perigo.

“Todos os dias tomamos decisões que nos obrigam a equilibrar oportunidades e riscos – mas sabemos pouco sobre o que está a acontecer nos nossos cérebros quando fazemos essas escolhas”, afirma, citada em comunicado, a investigadora principal, Carolina Rezaval, da Universidade de Birmingham.

“Ao estudar as cadeias neuronais que são activadas no cérebro das moscas-da-fruta, podemos descobrir mais sobre estes processos. À medida que a mosca corteja [a fêmea] e se aproxima do acasalamento, podemos ver claramente que, quando uma ameaça é introduzida, o animal simplesmente não a vê”, acrescenta a investigadora.

Neste trabalho, os investigadores analisaram quais os neurónios do cérebro da mosca que eram activados durante o “namoro”. Depois, a equipa introduziu uma ameaça artificial, utilizando luz e sombra para simular o efeito de um predador a voar nas proximidades.

A cegueira do amor

No artigo científico, os investigadores destacam que “o envolvimento romântico pode influenciar a percepção sensorial” e que a “cegueira do amor reflecte um princípio comportamental comum a todos os organismos: favorecer a procura de uma recompensa cobiçada em detrimento de potenciais riscos”.

Quando os animais se cortejam, “estas tendências sensoriais podem contribuir para o sucesso reprodutivo, mas também podem expor os indivíduos a perigos, como a predação”, acrescentam os autores no estudo.

Levanta-se, então, uma questão: “Como é que as redes neuronais equilibram o compromisso entre risco e recompensa?”. E foi precisamente a essa pergunta que a equipa tentou responder.

“Durante as fases iniciais do namoro, descobrimos que a presença de uma ameaça desencadeia [actividade em] certos neurónios do córtex visual no cérebro que interferem com os neurónios regulados pela serotonina. Isto faz com que as moscas abandonem o namoro e escapem à ameaça”, explica, em comunicado, Laurie Cazale-Debat, primeira autora do estudo e também da Universidade de Birmingham.

“À medida que o namoro avança, no entanto, o aumento da dopamina bloqueia as principais vias sensoriais, reduzindo a capacidade da mosca de responder à ameaça e fazendo com que ela se concentre no acasalamento”, nota ainda Cazale-Debat.

Ou seja, chega um momento em que o animal tem de decidir o que é mais importante: o acasalamento ou a ameaça. “A dopamina é fundamental para este processo de decisão, mas os níveis de dopamina estão intimamente relacionados com a proximidade do objectivo – qual a probabilidade de sucesso?”, destaca Carolina Rezaval.

Lisa Scheunemann, da Universidade Livre de Berlim (Alemanha), que também participou no estudo, sublinha que é possível observar “este tipo de motivação a toda a hora entre os seres humanos”. “Imaginemos que estamos a escalar uma montanha e que estamos perto do cume. Se o clima mudar e as condições se tornarem perigosas, podemos ignorar essa ameaça porque estamos muito perto do nosso objectivo.”

O estudo mostra, portanto, que à medida que o “namoro” entre as moscas-da-fruta progride, a dopamina aumenta, actuando como um “filtro sensorial que bloqueia as distracções e ajuda o animal a concentrar-se na tarefa que tem em mãos quando está perto do seu objectivo” – neste caso o acasalamento –, completa Carolina Rezaval. “Estamos ansiosos por explorar se este é um mecanismo geral de tomada de decisões que também está presente nos mamíferos, incluindo nos seres humanos.”

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