Cientistas desenvolvem processo químico barato e eficaz para reciclar plástico

Investigadores nos EUA reciclaram sacos de plástico e plásticos duros e resistentes em moléculas importantes para o sector químico, inclusive para a produção de novos plásticos. Estudo sai na Science.

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A cada ano são produzidas 350 milhões de toneladas de resíduos de plástico Adriano Miranda
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Uma pesquisa científica desenvolveu uma forma barata e menos poluente de transformar o polietileno e o polipropileno, dois tipos de plástico, em moléculas importantes para a indústria química, inclusive para a própria produção de plástico. O estudo, publicado esta quinta-feira na Science, abre possibilidades para uma solução real ao nível da reciclagem de produtos como os sacos de plástico e outros plásticos, permitindo uma economia circular.

O uso mais comum do polietileno é na produção de sacos de plástico, mas este material também serve para produzir garrafas, embalagens e tubagem. Já o polipropileno, que é mais resistente, está na mobília, nos brinquedos, em embalagens de champôs. Os objectos produzidos a partir destas moléculas compõem dois terços dos 350 milhões de toneladas de resíduos de plástico produzidos a cada ano.

“Cerca de 80% deste plástico termina em aterros, é incinerado ou simplesmente é atirado para as estradas, frequentemente acabando a sua vida como microplásticos em cursos de água e no oceano”, adianta um comunicado da Universidade da Califórnia em Berkeley (UCB), nos Estados Unidos. “O resto é reciclado em plástico de baixo valor, tornando-se material de pavimento, vasos e talheres de plástico.”

A questão da reciclagem de baixo valor é que o material produzido a partir da reciclagem não substitui a matéria-prima original para produzir os materiais que foram reciclados – ou seja, os sacos de plástico não são reciclados em novos sacos de plástico –, nem permite a produção de outro material com valor alto. É este problema que Richard Conk, John Hartwig, ambos da UCB, e colegas, tentaram resolver.

“Temos uma enorme quantidade de polietileno e polipropileno nos objectos do dia-a-dia, das marmitas de plástico às embalagens de detergente para a máquina e aos garrafões de leite”, aponta John Hartwig, no comunicado. “O que agora podemos fazer é pegar naqueles objectos e trazê-los para os monómeros iniciais através de reacções químicas que desenvolvemos e que partem as ligações de carbono tipicamente estáveis [daquelas moléculas]. Ao fazê-lo, ficamos mais perto do que ninguém de dar o mesmo tipo de circularidade ao polietileno e ao polipropileno que existe para os poliésteres das garrafas de água.”

Bons catalisadores

Tanto o polietileno como o polipropileno são polímeros construídos a partir de repetição de unidades, como se fossem um “colar de pérolas”. O grande desafio de separar estas moléculas em novas unidades é que elas têm ligações fortes, que não reagem, entre os átomos de carbono. “Como estas ligações são pequenas, é necessária muita energia para as partir e esta clivagem parte os polímeros numa mistura de pedaços [diferentes]”, explicam ao PÚBLICO Richard Conk e John Hartwig, numa resposta por email.

Esta característica traz um problema para a reciclagem. Para aproveitar o resultado daquela clivagem química, seria necessário separar os pedaços resultantes que são diferentes entre si. Algo que não é eficaz quando se fala de toneladas de material para ser reciclado. Além disso, os “catalisadores devem ser baratos, reutilizáveis e facilmente produzidos”, adiantam os autores.

A equipa conseguiu ultrapassar aqueles problemas usando dois catalisadores acessíveis: o óxido de tungsténio ligado à sílica e iões de sódio ligados ao óxido de alumínio. “Ambos os catalisadores são peças chave para iniciarem a reacção e quebrarem as ligações [das moléculas] e colocarem ligações químicas fracas”, adiantam os dois investigadores. O sódio ligado ao óxido de alumínio é eficaz a quebrar o polietileno e o óxido de tungsténio ligado à sílica é eficaz a quebrar o polipropileno. De seguida, na presença do etileno, os dois catalisadores trabalham em conjunto.

“Depois das cadeias serem partidas, o sódio ligado ao óxido de alumínio agarra na ligação química fraca, que está no final da cadeia, e transporta-a para dentro da cadeia. A seguir, o óxido de tungsténio ligado à sílica reage com esta ligação mais fraca e, junto com o etileno, parte o fragmento. Após várias iterações, o processo converte os fragmentos em produtos finais de uma forma muito selectiva”, explicam os cientistas. O processo é feito a temperaturas altas.

O resultado é a produção em grandes quantidades de moléculas de propileno e de isobutileno. Ambas “fazem parte das mercadorias químicas mais importantes”, afirmam Richard Conk e John Hartwig. “O propileno pode ser transformado em polipropileno (que perfaz 26% dos resíduos de plástico), e o isobutileno é importante para a indústria dos pneus. O propileno também é usado para fazer acetona, fenol, ácido acrílico e muitas outras mercadorias químicas importantes. O isobutileno também é usado para produzir o iso-octano, um componente de alto valor da gasolina”, enumeram.

Desafios para a industrialização

Além de produzirem moléculas valiosas, as vantagens do processo descrito no novo artigo passam por usar catalisadores que não são caros, podem ser reutilizados e têm mais de uma função no processo químico, argumentam os autores. Além disso, as reacções químicas que estão em jogo praticamente não emitem gases com efeito de estufa. Todos estes aspectos são importantes para transformar este trabalho de laboratório num industrializado.

Mas ainda há desafios, quer do ponto de vista químico, quer do ponto de vista ambiental. Por um lado, são usados muitos outros componentes nos plásticos, que por isso deixam de ser materiais puros. E a eficácia do processo químico descrito acima perde-se rapidamente com a presença das impurezas. Por outro lado, serão necessárias grandes quantidades de etileno para reciclar tanto plástico. Mas a produção de etileno a partir do petróleo está associada à emissão de gases com efeito de estufa, que estão na origem do aquecimento global e das alterações climáticas.

No entanto, os cientistas acreditam que vão conseguir ultrapassar estes desafios usando novos catalisadores que funcionam mesmo quando o plástico contém impurezas e usando “etileno verde”, produzido a partir de material vegetal e não do petróleo. Por fim, há ainda um problema de escala. “Antecipamos que vamos ter de dedicar no futuro esforços significativos para realizar este processo à escala do quilograma ou da tonelada, mas estamos confiantes que nada disto será inultrapassável”, dizem os autores.

Há, contudo, uma dúvida sobre a causa em si. Perante a resistência do plástico à degradação, a poluição que está a causar e a sua contaminação em praticamente todos os ambientes da Terra – incluindo o sangue humano –, muitos ambientalistas defendem o fim deste material, principalmente quando é usado em objectos descartáveis. Não haverá, por isso, o risco de a reciclagem adiar esse desaparecimento?

“Reduzir o uso de plástico e encontrar substitutos recicláveis e mais amigos do ambiente é essencial para um futuro mais sustentável”, começam por explicar Richard Conk e John Hartwig, respondendo à questão. “No entanto, não antecipamos que o mundo irá afastar-se, no futuro próximo, dos plásticos degradados neste estudo, que são extremamente baratos e que se investiu uma quantidade maciça de recursos para construir infra-estruturas usadas na sua produção”, argumentam os dois autores.

Por isso, “se conseguirmos encontrar formas de converter os resíduos de plástico em produtos de valor, isso poderá dar um incentivo económico para recolher os resíduos e desincentivar pôr este lixo nos aterros ou deixá-lo ir para o ambiente”, referem. “Esperamos que esta descoberta possa mitigar parte daqueles impactos ambientais ao assegurar que menos plástico vai parar ao ambiente e menos petróleo é extraído na sua produção.”