Carta na revista Nature denuncia pesca em área marinha protegida das Selvagens

Subscrita por perto de 300 cientistas, carta de explorador da National Geographic diz que estatuto da maior área marinha protegida da Europa não pode ficar refém de “ciclos políticos e eleições”.

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Em 2022, a área marinha protegida à volta das ilhas Selvagens passou de 92 para 2677 quilómetros quadrados Carlos Lopes
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Perto de 300 investigadores de todo o mundo pedem às autoridades da Madeira para “honrarem os seus compromissos” em relação à área marinha protegida da Reserva Natural das ilhas Selvagens, a maior da Europa, e “continuarem no caminho para o objectivo global de proteger 30% dos oceanos até 2030“, numa carta publicada nesta quarta-feira na prestigiada revista Nature, que denuncia a permissão da pesca comercial de atum e gaiado naquela reserva.

“Políticos locais abriram a maior reserva marinha da Europa à pesca comercial”: é este o título e o alerta da missiva, na edição online da revista, assinada por Enric Sala, fundador do programa Mares Prístinos e explorador da Sociedade National Geographic, e subscrita por centenas de pessoas, entre as quais, dois prémios Pessoa, Tiago Pitta e Cunha, presidente executivo da Fundação Oceano Azul, e o biólogo Miguel Bastos Araújo.

A preocupação pela reserva das Selvagens é a preocupação por um património marinho com 2677 quilómetros quadrados à volta daquelas ilhas, que se tornou a maior reserva marinha europeia desde 2022, quando foi promulgado o diploma que ampliou o tamanho da reserva em 27 vezes.

A reserva tem o estatuto de protecção integral, proibindo a pesca comercial naquela área. Mas, recentemente, o Governo regional de Miguel Albuquerque quis alterar este regime para permitir a pesca do atum e do gaiado. A decisão fez parte das negociações para a aprovação do orçamento com o Chega-Madeira, que tinha exigido a legalização da pesca daquelas espécies comerciais ao largo das Selvagens.

Desde 12 de Julho que as autoridades estão a dar permissões de pesca na reserva marinha, em que 90% do que é pescado pode ser vendido, adianta a carta agora publicada, referindo que a primeira permissão resultou na pesca de meia tonelada de gaiado. Logo em Julho, sete associações ambientalistas vieram criticar a posição do governo regional, referindo que a pesca iria comprometer a integridade ambiental da reserva e pôr em causa o empenho que houve ao longo de anos para proteger aquele habitat.

Agora, o alerta vem da comunidade científica internacional. “A decisão das autoridades regionais de reverterem o compromisso de se banir a pesca [na reserva] põe em risco um dos últimos ecossistemas marinhos intactos na região Norte do oceano Atlântico”, lê-se na carta, subscrita também por Peter Thomson, enviado especial das Nações Unidas para o Oceano, por Rashid Sumaila, director da Unidade de Economia das Pescas da Universidade de Colúmbia Britânica (Canadá), por investigadores na Europa e nos Estados Unidos, e por dezenas de cientistas portugueses de centros que se dedicam ao estudo e à conservação dos oceanos, como João Monteiro, do Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Madeira, e Joana Xavier, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), da Universidade do Porto.

“Não há nenhum aconselhamento científico ou avaliação do impacto que apoiem esta decisão, e não foram demonstradas nenhumas perdas económicas ou sociais que a justificassem”, explica a carta, acrescentando que espécies como o atum, que migram ao longo dos oceanos, podem ser pescadas fora da reserva, no resto da enorme área marinha pertencente à Madeira. “Os ecossistemas intactos e completamente protegidos nos mares europeus são raros e não podem estar à mercê dos caprichos de ciclos políticos e eleições”, remata a carta.