(In)Segurança Social

A recente mudança na política migratória em Portugal, que extinguiu a sistemática das manifestações de interesse, alterou também as regras de acesso à Segurança Social. É caminho certo para injustiça.

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A ideia moderna de segurança social, como um sistema estruturado de proteção fornecida pelo Estado, tem suas raízes no final do século XIX, na Alemanha. Posteriormente, diversos países seguiram propostas semelhantes, inclusive Portugal, que instituiu, em 1935, as bases gerais da organização de um regime de Previdência que tem, hoje, na comunidade brasileira, mais da metade dos estrangeiros contribuintes.

Como herança da revolução industrial, a ideia progressista de uma rede de segurança coletiva assenta-se na intervenção do Estado no domínio social a partir do princípio da universalidade, segundo o qual benefícios e serviços públicos devem ser acessíveis a todos os membros de uma sociedade, independentemente de sua situação econômica, social ou laboral.

A recente mudança na política imigratória em Portugal, que extinguiu a sistemática das manifestações de interesse, alterou também as regras de acesso à Segurança Social. Agora, a inscrição de estrangeiros depende da apresentação de comprovante de situação laboral (contrato de trabalho, abertura de atividade ou de empresa) e da apresentação de pedido de regularização de residência.

No entanto, essa exigência está em absoluta desarmonia com a própria lógica imigratória que o país preconiza. Ela exclui, automaticamente, o acesso do núcleo familiar (cônjuges, filhos e pessoas a cargo) de titulares de visto. São pessoas que entraram legalmente em Portugal, que pagam impostos e que aguardam que o Estado lhes assegure o exercício do direito ao reagrupamento familiar, algo que tem levado anos para acontecer.

Não fosse isso suficiente, tem sido frequente também a negativa de inscrição para os próprios titulares de visto que estão à espera de suas entrevistas na Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), sob o argumento de que apenas os comprovativos de pedido de residência, aqueles que são emitidos justamente no momento da dita entrevista, são admissíveis para fins de inscrição na Segurança Social.

Trata-se de um caso grave, na medida em que o próprio Estado nega vigência plena ao visto que emitiu, restringindo o exercício de um direito fundamental do imigrante e inviabilizando que as empresas empregadoras destas pessoas realizem o tempestivo recolhimento previdenciário aos cofres do próprio Estado, cumprindo assim suas obrigações legais.

Em um momento em que a sustentabilidade financeira previdenciária é discutida mundialmente, e que Portugal se notabiliza pelo aumento da contribuição, impulsionada pelos estrangeiros, qual seria o objetivo de agravar as condições de acesso à segurança social por estes imigrantes, que somente daqui a algumas boas décadas de trabalho duro em Portugal poderão usufruir da tão almejada aposentadoria?

O controle imigratório deve ser feito nas fronteiras, não no núcleo do funcionamento da sociedade, em áreas tão sensíveis, como a seguridade. O pragmatismo do controle a posteriori, feito nos serviços básicos do Estado, é caminho certo para injustiça, fragmentação social e prejuízos econômicos ao país.

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