Medalhas em Paris vão impulsionar o ciclismo de pista? Talvez não...

O impacto da conquista de medalhas olímpicas no aumento do número de praticantes, em Portugal, tem sido pouco ou nada expressivo ao longo da história.

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Iuri Leitão e Rui Oliveira no pódio em Paris MARTIN DIVISEK / EPA
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“Será que Sangalhos vai deixar de ter espaço para tantas crianças que lá vão bater à porta? Quem não quererá ser a nova Maria, o novo Iúri ou o novo Rui?”. Esta ideia foi escrita no PÚBLICO, após as medalhas de Portugal no ciclismo de pista, em Paris. A frase saiu dos dedos e teclado do próprio autor deste texto, que tem, agora, de assumir o excesso de optimismo. Na altura, o pico de atletas no período pós-medalha era uma premissa de senso comum e aparentemente óbvia. Agora, é uma frase desmentida pela história.

“Embebedados” pelo sucesso português, seria fácil pensarmos que teríamos muitas crianças à porta do velódromo de Sangalhos, prontas para serem o novo Iúri Leitão. Mais “sóbrios”, com o entusiasmo de Paris já esfriado, podemos ver que as estatísticas não sugerem que uma mudança assim tão grande possa acontecer na modalidade.

Com recurso aos dados do Pordata, o PÚBLICO foi consultar a evolução de praticantes nas modalidades que tiveram medalhas olímpicas. Os dados disponíveis vão de 1996 até 2021, pelo que excluem Jogos anteriores a Atlanta 96 e excluem também a evolução pós-Tóquio, já que os Jogos foram em 2021. E mesmo que houvesse dados pós-Tóquio, possivelmente estariam enviesados pelos efeitos da pandemia, pelo que a prudência obrigaria a ignorá-los na mesma.

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A conclusão da análise é clara: não houve sempre aumento — houve até algumas reduções de praticantes no ano pós-medalha — e, mesmo quando existiu aumento, nunca foram picos extraordinários.

Na tabela em baixo, considerámos que aumentos expressivos, sinalizados a verde, são os que superaram o crescimento dos anos anteriores e posteriores. São, por isso, potenciais bons efeitos dos Jogos Olímpicos, mas sem um boom tremendo de procura que permita atribuir de forma clara o impacto das medalhas. De resto, ficou tudo mais ou menos na mesma — ou até abaixo.

Atletismo com quebras na década de 2000

Após as medalhas do atletismo e da vela em Atlanta, houve, em 1997, crescimento dos praticantes nas duas modalidades — mesmo que no atletismo não seja possível analisar que vertente em específico mais contribuiu (e essa limitação será estendida às medalhas de Francis Obikwelu, Rui Silva e Nélson Évora).

Nenhum dos valores é extraordinário (mais 900 praticantes num caso e 500 no outro), mas devem ser considerados significativos, já que foram crescimentos maiores do que os dos anos seguintes — o que deveria ser muito óbvio e nada elogiável, mas, dado o contexto, tem de ser enquadrado como tal.

Após o bronze de Nuno Delgado, em Sydney 2000, também houve um crescimento nos praticantes de judo (mais 1400), mas, depois disto, nunca houve aumentos claros de procura na resposta às restantes medalhas conquistadas.
No pós-Sydney de Fernanda Ribeiro e no pós-Atenas de Obikwelu e Silva, o atletismo teve reduções na ordem dos mil praticantes.

Também houve redução de praticantes no ciclismo pós-Atenas, com a medalha de Sérgio Paulinho, e na canoagem pós-Londres, com a medalha de Emanuel Silva e Fernando Pimenta — embora reduções residuais nos dois casos (menos 250 no ciclismo e menos 30 na canoagem).

E faltam três. Vanessa Fernandes e Nélson Évora, no pós-Pequim, e Telma Monteiro, no pós-Rio de Janeiro, viram as suas modalidades registarem crescimentos residuais, analisados sob a bitola do valor relativo (mais 300 no triatlo, mais 1000 no atletismo e mais 400 no judo), mas também da existência de aumentos bem mais significativos quer nos anos anteriores, quer nos seguintes.

Em Dezembro há ciclismo...

Estes valores não podem atestar cabalmente que o interesse público por estas modalidades não cresceu, já que há outros medidores, mesmo que menos mensuráveis, que não se ficam pelo número de praticantes.Mas é possível sugerir, com algum grau de certeza, que não deverá haver um boom extraordinário de novos interessados no ciclismo de pista nos próximos meses. Pelo menos é o que nos diz a história.

Mas também é verdade que Portugal nunca tinha tido uma medalha de ouro numa modalidade fora do atletismo. Isto significa que não é impossível que o ciclismo de pista, como desporto mais de nicho do que o atletismo ou o futebol, possa criar um efeito mais forte e localizado do que outras modalidades.

Será preciso tempo para fazer essa avaliação, mas há algo que fica prometido: em Dezembro, haverá campeonatos nacionais no velódromo de Sangalhos e o PÚBLICO vai lá dar um salto. E será interessante ver quantas pessoas estarão nas bancadas. É que o apoio às modalidades não se resume aos praticantes e ao valor das bolsas olímpicas.

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