Cineastas palestinianos criticam “desumanidade” e “racismo” de Hollywood

Mais de 60 realizadores assinam carta aberta dirigida à indústria cinematográfica, que acusam de ser “cúmplice” dos “crimes perpetrados durante décadas contra os palestinianos”.

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Elia Suleiman, célebre realizador palestiniano, é um dos subscritores da carta divulgada esta quarta-feira Nuno Ferreira Santos
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Mais de 60 cineastas palestinianos assinaram uma carta aberta na qual acusam Hollywood de “desumanizar” o povo da Palestina “nos pequenos e grandes ecrãs dos Estados Unidos”, apelando aos colegas da indústria cinematográfica para se mobilizarem “contra o genocídio” em Gaza e na Cisjordânia e “contra o apagamento, o racismo e a censura que o permitem”.

“Compreendemos bem o poder da imagem e do cinema e, durante demasiado tempo, ficámos indignados com a desumanidade e o racismo demonstrados por alguns membros da indústria do entretenimento ocidental em relação ao nosso povo, mesmo nos momentos mais difíceis”, escrevem os realizadores na carta publicada esta quarta-feira, em primeira mão, pela revista norte-americana Variety. Entre os subscritores encontram-se o célebre cineasta Elia Suleiman, Hany Abu Assad, nomeado duas vezes para os Óscares, e Farah Nabulsi, vencedora do BAFTA para melhor curta-metragem em 2021, com o filme The Present.

“Através dos nossos filmes, tentámos apresentar narrativas, representações e imagens alternativas para inverter a imagem estereotipada e desumanizante de 'seres inúteis e descartáveis' que permite branquear e/ou justificar os crimes perpetrados durante décadas contra os palestinianos”, assinala o grupo de cineastas. “Mas por que é que temos de calçar sempre as nossas ‘luvas de boxe’ para defender a nossa arte contra uma censura implacável que nos visa apenas com base na nossa identidade e não na nossa criatividade?”

Esta carta serve também para defender a nomeação para os Emmys (conhecidos como os “Óscares da televisão), na categoria “Telejornal e Documentário”, da reportagem It's Bisan From Gaza and I'm Still Alive ("É a Bisan de Gaza e Ainda Estou Viva"), assinada pela videógrafa e jornalista de 25 anos Bisan Owda, uma das repórteres palestinianas que têm documentado, no terreno e através das redes sociais, o genocídio do Estado de Israel contra a Palestina, relatando os bombardeamentos em Gaza, a crise humanitária no território e o deslocamento forçado do povo palestiniano.

A missiva vem opor-se à carta aberta lançada há uma semana e meia pela Creative Community for Peace, organização pró-Israel da indústria de entretenimento que exigiu à Academia Nacional de Artes e Ciências da Televisão (NATAS), responsável pelos Emmys, a anulação da nomeação de Bisan Owda, por alegadas ligações à Frente Popular para a Libertação da Palestina, classificada como “organização terrorista” pelos Estados Unidos.

Em resposta, Adam Sharp, director executivo da NATAS, afirmou que alguns dos trabalhos de jornalismo televisivo distinguidos nos últimos anos poderão ter sido “controversos, dando uma plataforma a vozes que certos espectadores podem considerar condenáveis ou mesmo detestáveis”, mas “todos estiveram ao serviço da missão jornalística de registar todas as facetas da história”. Sharp disse ainda que a Academia não conseguiu confirmar o alegado envolvimento de Owda na Frente Popular para a Libertação da Palestina, nem encontrou “motivos para anular o juízo editorial dos jornalistas independentes que analisaram o material”.

Apesar das críticas a Hollywood e à indústria cinematográfica ocidental, o grupo de cineastas palestinianos agradece à NATAS por “resistir à pressão e insistir na liberdade de expressão”. “Acolhemos de todo o coração a nomeação do filme de Bisan Owda para um Emmy como uma indicação de que, após tantos anos de apartheid israelita e de domínio colonial sobre o povo palestiniano, a implacável desumanização de décadas dos palestinianos nos pequenos e grandes ecrãs dos Estados Unidos, em particular em Hollywood, está a começar a dar lugar a uma posição mais ética”, escrevem os realizadores.

“A tentativa de censura contra o filme foi, no entanto, uma espécie de teste à realidade. Temos ainda de enfrentar e desafiar ferozmente a propaganda racista anti-palestiniana e, de um modo geral, anti-árabe, que continua a ser demasiado predominante nos meios de entretenimento ocidentais.”

Pelo menos 40.602 palestinianos foram mortos desde 7 de Outubro, incluindo 17 mil crianças, e há pelo menos 93.855 feridos, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza. Desde o início da intervenção israelita naquele território, pelo menos 161 jornalistas palestinianos foram assassinados em Gaza e 186 ficaram feridos, de acordo com a Al Jazeera. A última morte registada foi a do fotojornalista Mohammed Abd Rabbo, na sequência de um ataque aéreo israelita que teve como um dos seus alvos o campo de refugiados de Nuseirat.

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